HISTÓRIAS DAQUELE TEMPO

História 1 (contada pelo Ivan)

A CONTRA-ORDEM

Repito. Minha turma, fundadora da Escola Militar de Resende (1944), hoje AMAN, foi privilegiada. Inicialmente, seguindo lições da missão francesa, vigentes à época. Com o predomínio aliado desde a invasão da Europa, em junho, passou a absorver processos americanos, na Itália já adotados pela FEB. Tivemos ocasião de conhecer e praticar estilos profissionais distintos, lidando com normas, equipamentos e armas de duas origens. As metralhadoras Browning ponto 50 vieram somar-se às tradicionais Hotchkiss; à bateria Schneider de dorso e às duas Krupp hipomóveis, todas de 75mm, uma de obuseiros 105mm, motorizada. Fomos muito exigidos, mas ficamos aptos a bem servir em qualquer guarnição.

Verdade, durante as manobras conjuntas de encerramento de cada ano, realizadas em propriedades no vale do Paraíba, a diversidade de materiais e táticas causava alguns embaraços. E era comum, desencadeada uma operação, sofrer ela alterações para adequá-la à realidade. Por exemplo, parávamos a "guerra" de modo que os "azuis" ajudassem a apagar incêndios, causados pelo bombardeio real nas pastagens das fazendas ocupadas pelos "vermelhos", etc.

"Bagualito", colega meio "voador", como dizíamos, de serviço em certo dia, foi chamado ao Q.G. do Grupo, onde o Instrutor-Chefe deu-lhe ordens a serem cumpridas desde logo por todo o Curso, feito o que, passou a discutir com os outros oficiais o plano de ação a ser implementado.

Após algum tempo, vendo o cadete ainda firme na porta da barraca, perguntou-lhe o que estava esperando.

- A contra-ordem, Major!

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História 2 (contada pelo Creusmar)

A CARRETA

Na Página da Turma existe uma foto de uma carreta C28. Nela eu sou o condutor da parelha guia, montando o cavalo de nome Bandido e o CP é o Bagualito. Os cavalos da parelha tronco são os famosos Chui e Lourinha. Esta foto foi feita durante o desfile que fizemos na cidade de Resende, comemorando o Dia da Vitória, em 1945, quando foi anunciado o fim da Segunda Grande Guerra.

Por falar em carreta e cavalos, lembro de um episódio ocorrido nesse mesmo ano, que me valeu um grande susto.

Estávamos todos no pátio da Artilharia, acabando de encilhar e atrelar a cavalhada percherron nas viaturas e canhões C28. Isto estava sendo feito com bastante dificuldade devido à indocilidade dos animais, após um longo período sem trabalho. Como dizíamos àquela época, os cavalos estavam dando alteração à pampa. Só ficavam no seu lugar porquê as viaturas estavam com os freios de mão acionados.

Quando o Tenente instrutor deu o comando de "preparar para montar" foi um reboliço geral. A este comando os artilheiros condutores colocavam o pé no estribo, segurando na sela e os outros componentes das peças soltavam os freios das carretas. Assim foi feito: coloquei o pé no estribo da minha montaria, que era a Diva, parelha da Dora, ambas nesse momento querendo escoicear os cavalos troncos que, logo ali atrás, estavam a perturbá-las.

Veio o comando seguinte: "a cavalo", mas antes mesmo disto, já todos os cavalos desta peça, enlouquecidos e sentindo a viatura livre dos freios, já partiam para uma disparada.

O único jeito pelo qual consegui montar foi correndo ao lado da égua e subindo para a sela por salto. Tomei a minha posição regulamentar como condutor da parelha média, que eu era nesse dia. O conjunto já começava a aumentar muito a velocidade, passando desastradamente, provocando tumulto entre as demais viaturas da Bateria que se encontravam à frente. Só então eu percebi que não havia ninguém na minha viatura, para acionar o freio de mão. Pior ainda, é que também não havia condutor na parelha tronco, única que poderia controlar a velocidade da peça, por estar presa à lança do armão.

Resumindo, minha situação não era nada confortável, pois na parelha média eu não podia nem reduzir a velocidade nem escolher o caminho por onde passar. O que fiz foi: apanhei com a mão direita as rédeas da Dora (cavalo de mão da parelha) para poder controlar as curvas e tirei os pés dos estribos, para não ser arrastado no provável futuro tombo iminente.

Como o terreno por ali era todo plano e cimentado, a velocidade cresceu rapidamente e, de repente, a parelha guia fez uma virada brusca em ângulo reto. Foi o desastre. Todos os cavalos caíram e as partes da carreta passaram por cima, formando um monte de rodas, bancos, etc. e um emaranhado de tirantes e correntes. A pobre Diva, que eu montava, não sei se pela batida no solo ou por ter levado com uma roda de canhão na cabeça, ficou estirada inerte.

E eu? Eu não vi nada, talvez devido a uma cabeçada no chão. Sei que estava preso, com uma perna debaixo da montaria, acorrentado com aqueles tirantes, quando vários colegas e o Tenente Sá Martins vieram socorrer-me e tirar-me dali.

Aguardando a chegada da ambulância, apaguei outra vez e só acordei no Hospital Escolar, onde permaneci uma semana. Não tive nenhuma fratura, mas escoriações pelo corpo todo.

Quando deixei o Hospital, após alguns dias, tive muita dificuldade para voltar a andar normalmente. Parece que as pernas não me obedeciam.

Ocorre que isto foi exatamente na época da Bateria partir paras as manobras, e lá fui eu para o campo, fazendo o que era possível.

E a princípio, o possível não era muito. O Costa Ferreira que o diga. Ele era o meu parceiro na dupla condutor-servente da parelha de tração e certamente trabalhou dobrado durante a maior parte das manobras. Imaginem por exemplo, buscar água num balde de lona, em um rio gelado a grande distância, em terreno acidentado, para dar de beber aos cavalos, de madrugada.

Mas fiz esforço e, talvez por isso, recuperei-me rápido. Na volta à Escola, encerradas as manobras, consegui montar e entrar feliz, entoando com os companheiros a Canção da Artilharia.

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História 3 (contada pelo Vieira Ferreira)

A MATEMÁTICA DO LEITE

Muito boa a idéia de registrarmos histórias daquele tempo. Do "Murilão" ( Tenente de Infantaria Murilo Veras Fontenelle ) há várias. Umas, autênticas. Outras, adulteradas. Outras, ainda, que jamais existiram. Esta, que você verá adiante, é verdadeira, e eu na época intitulei "A Matemática do Leite".

Havíamos sido, eu e ele, da 3ª Cia do CC, comandada pelo Capitão Francisco Assis de Oliveira Bezerra. Meu Pelotão, o 1°, era comandado pelo Tenente Paulo Correia Lima ( "Chico Preto" ). O Murilão comandava o 2°, o Tenente Nascimento, metade da altura do Murilão, o 3°. Mas, vamos à história, passada quando já estávamos no Curso de Artilharia, 2° ano.

Você deve lembrar-se de que tínhamos no chão, no centro do apartamento, uma tomada elétrica. Para o leite, à noite, havia, em revezamento, um "mingauzeiro de dia", encarregado de ir buscar tanto leite quanto possível e fazer mingau para os oito moradores. Mas como muitos outros faziam o mesmo, havia noites em que o leite se esgotava cedo (enchia-se a "marmita preta", escondia-se na curva da cozinha, e voltava-se furtivamente, na retaguarda, para buscar mais com outra marmita ).

Certa noite, Murilão de Oficial de Dia, apresentada a Bateria em coluna por três, determinou com sua inconfundível voz de "falsete":

- "Comanda esquerda volver senão o leite não chega!".

É que, determinando a entrada de apenas três de uma vez, a partir da testa, via bem, um a um, qual o destino dos que já se haviam servido, controlando o reingresso do "mingauzeiro".

Voltarei com uma do "Chico Preto".

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História 4 (Contada pelo Creusmar e pelo Odin)

COMANDO MISTERIOSO

Entre as muitas tradições da Artilharia inventadas pelos cadetes, além do passo bobo, era bem sabida por todas as armas aquela de ser muito misteriosa e habitualmente dar comandos usando somente as iniciais das palavras, como na famosa recomendação de dd no cdb (quer dizer levar o duplo-decímetro, instrumento usado na Topografia, colocado no cano da bota).

Uma vez, querendo impressionar os colegas das outras armas, na hora da formatura para o rancho, ocasião em que as diversas armas ficavam lado a lado, no pátio, um grupo nosso, novos artilheiros, do segundo ano, combinou fazer uma recomendação qualquer, bem longa, usando o máximo de siglas de instrumentos.

Aliás, eu mesmo, na véspera havia feito uma recomendação assim:

- para o TOS de hoje, levar a DD marcada no Papel de prancheta (isto queria dizer marcar a declinação no papel, para o Trabalho de Topografia)

O então sargento de dia, que era o Múcio, com sua voz que nada tinha de locutor, enrolou a língua e proferiu uma longa frase dizendo o que deveria ser levado e o que não precisava levar para a instrução da tarde.

- Atenção a Bia. Para o TOS não é preciso levar a TGT nem o TDA. Basta levar o TU; DD no CDB e o TM no Bolso. Não precisa levar TDA.

A Escola inteira pigarreou. Tradução: Atenção a Bateria, para a aula de Topografia em Sala não é preciso levar a TABELA GRÁFICA DE TIRO nem o TRANSFERIDOR DE DERIVAS E ALÇAS. Basta levar o TRANSFERIDOR UNIVERSAL, Duplo Decímetro no Cano da Bota e o Transferidor em Milésimo no Bolso.

A coisa impressionou muito os colegas das armas vizinhas, não só por estes não conseguirem visualizar o que continha aquela "mensagem secreta", como também pela impassividade dos artilheiros que a recebiam.

Eles não sabiam era que nenhum de nós havia entendido absolutamente nada, mas com a maior cara de pau, todos, mesmo sem ter conhecimento da brincadeira do pequeno grupo, fingíamos que tudo estava normal, dentro do sagrado mistério artilheiro.

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História 5 (Contada pelo Creusmar)

BOA RAJADA

Estávamos em exercício real de tiro, felizmente como em situação real de campanha. Refiro-me ao fato de que havia toda a proteção da guarnição humana das peças, isto é:

Sacos de areia, nichos escavados no terreno para abrigo da munição, etc.

Nem sempre era assim, quando habitualmente havia exercícios de tiro real somente para estudo da técnica de tiro .

Nesta ocasião tudo estava como se fosse guerra real. Até havia redes de camuflagem sobre as quatro peças da nossa bateria. Cadetes do terceiro ano, eu comandava a Quarta Peça e o Dênio comandava a Terceira, a uns vinte metros mais ou menos, a minha direita. Os serventes das peças eram cadetes do segundo ano.

Para iniciar um bombardeio, com uma rajada das quatro peças, o Tenente comandante da Linha de Fogo deu o comando de

- Fogo!

Ouviu-se um estrondo espetacularmente acima do habitual. O Tenente, entusiasmado gritou:

- Bôa rajada!

Eu, além do estrondo da rajada, ouvi um assobio forte junto ao meu ouvido e notei com espanto que a rede de camuflagem da minha peça havia desaparecido.

Na terceira peça, todos os serventes estavam imobilizados, como estátuas; o C3 com um projetil nas mãos, pronto para carregar. O Tenente gritou:

- Que está esperando? Carrega logo!

O C3 nada fez, e em seu rosto parece que estava estampada uma pergunta: "-carregar... onde?"

A culatra, bem como todo o tubo do canhão haviam desaparecido. A granada havia explodido dentro do tubo. A culatra, que pesava cerca de 200 Kg, foi depois encontrada muitos metros atrás do canhão. Passara entre os componentes da guarnição da Peça.

A rede da minha Peça estava bem longe, à minha esquerda. Nela havia um bom estilhaço do que havia sido o tubo do canhão da Terceira Peça. Isto explicava aquele assobio junto ao meu ouvido.

Ninguém soube garantir o que provocou aquele acidente, mas nunca mais alguém encontrou o escovão daquela Peça.

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História 6 (contada pelo Ivan)

FANTASMA OCULTO

Desta vez não vou revelar o nome do personagem. O querido colega participante já faleceu e tomem o silêncio como homenagem à sua memória. Ademais, são coisas que acontecem a qualquer um.

Lembram-se de que sempre envolviam o Marsiaj na Topografia e a mim nas Transmissões? Pois quando, aspirantes, chegamos a Cachoeira, as fichas (?) vieram na frente... Quanto a mim, dizem ter sido praga do Ten. Baêta, que sei eu? O fato é que estava desempenhando tais funções na manobra de 46. Projetara todo o esquema de rádio e fio, para os PCs das baterias, Central de Tiro e LFs. Uma das ligações utilizava o tal circuito-fantasma...

O Odin torce a cara até hoje, quando fala no dito cujo... Não vamos descrevê-lo aqui, apenas lembrar que usava transformadores de razão 1:1, com uma derivação exatamente no meio dos secundários, o que permitia, a cada dois circuitos comuns, a existência de um terceiro, sem fiação aparente.

Hoje, a nata da Embratel, o próprio Marsiaj, Gilson e outros, doutores em fibra ótica, só podem achar graça em coisa tão rudimentar...

Os tais transformadores chamavam-se bobinas translatoras e tinham origem na Fábrica Nacional de Material de Transmissões, que nos fornecia também os telefones a magneto. Ocorre que, pouco antes das manobras se não me falha a memória, o Curso de Artilharia recebeu, entre outras coisas, centrais telefônicas americanas. Além dos bornes dos ramais, havia uns destinados a dois circuitos simplex ou um fantasma, ligados às bobinas translatoras integrantes de cada central e montadas no interior do aparato.

Pois surpreendi o meu sargento de Transmissões, chefiando um grupo de cadetes do 2º ano, que, felizmente, nada conheciam do novo material, tentando retirar as bobinas, para, após colocá-las no chão, montar o bendito circuito, tal como fazíamos com o produto brasileiro.

Discretamente, para que o pessoal mais moderno não percebesse, interrompi a tentativa e expliquei como usar os terminais apropriados, tudo pronto para uso.

Não me esqueci do episódio e, tenho certeza, o colega, do circuito-fantasma...

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História 7 (contada pelo Creusmar)

VISITAS INTERNACIONAIS.

A nossa Escola foi privilegiada, no nosso tempo, com a recepção de diversas visitas internacionais de importância fora do comum.

Podemos citar as visitas do General Mac Clarck, que foi o comandante do Quinto Exército, na Itália, ao qual pertenceu a nossa Divisão da FEB.

Foi nos visitar, também, o General Eisenhower, que depois seria presidente dos Estados Unidos e que, nessa época, acabara de comandar a vitoriosa invasão da Europa, que levou ao encerramento da Segunda Grande Guerra.

Pude vê-lo bem de perto, porque eu estava na Guarda de Honra, bem próximo ao portão de entrada da Escola. Eu estava montado na parelha guia de uma das primeiras peças da Artilharia.

O General ilustre, ao passar a revista regulamentar à guarda, quis mostrar interesse e chegou junto à tropa, abriu espaço entre os dois cavalos da minha parelha, segurou uma correia do arreamento e pronunciou:

- "well made!"

Também houve fatos inusitados em visitas internacionais, como ocorreu quando lá esteve uma delegação de cadetes da escola militar de um pais sul-americano vizinho.

Formados no pátio, a uma ordem recebida, acompanhados pela nossa banda de música marcial, começamos a cantar a canção da Escola. Mas quando chegou a hora de gritarmos:

-...liderança...do Continente

... ouviu-se um apito dado pelo Comandante do Corpo de Cadetes, que gritou:

-Cessar o canto!

Foi uma intervenção oportuna, bem na hora, para evitar ressentimentos por parte dos visitantes.

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História 8

ENTRADA HISTÓRICA

Esta não é contada mas é uma parte da própria história da AMAN, documentada numa fotografia

Somente uma vez por ano abre-se o portão do lado direito do Portal da ACADEMIA MILITAR DAS AGULHAS NEGRAS, para a entrada dos novos cadetes que farão os cursos de formação de oficiais do EXÉRCITO BRASILEIRO

Uma vez no entanto foi a primeira, quando no início de 1944, a futura Academia, então ESCOLA MILITAR DE RESENDE, acabava de ser construída e recebia seus primeiros cadetes. No portão, seu primeiro comandante, CEL. MÁRIO TRAVASSOS.

Eis a foto do fato histórico:

Também aqui a ART46 sobressai espetacularmente, como se pode ver.

Não é mesmo, SAVA?

Não é mesmo, GAMA ABREU?

Em seguida, o artilheiro DAVID. Na realidade, todos nós estávamos nessa fila.

...E formou-se a Primeira Guarda à Bandeira na Escola:

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História 9 (Contada pelo Ivan)

ACONTECIMENTO TRISTE

Em nossa história de cadetes, em razão da idade, do entusiasmo com a carreira que abraçáramos, do fato de estarmos inaugurando uma escola nova, do convívio com a própria geração, ensinando-nos a solidariedade ativa, que, em combate, poderia até nos fazer optar entre viver ou morrer, se necessário para o destino do grupo, tudo tornava-nos felizes e realizados. Mesmo os acidentes que o Creusmar já descreveu sempre pouparam a turma de 46, nunca trazendo conseqüências irreversíveis.

Já com a turma seguinte não foi assim, lembram. Na primeira instrução do ano a viatura onde o Jorginho Fernandes era um dos condutores fugiu ao controle da guarnição ao ocupar a LF. Ele caiu, agarrando-se à lança. Arrastado e escoiceado pelos animais em galope, não conseguiu manter-se, culminando com a passagem da roda do armão sobre sua cabeça. Durou poucos minutos, falecendo, se não me engano, ao ser colocado no jipe do Cap. Hermann. O Jorginho, como repetente do 1º ano, conseguira a melhor colocação entre os novos artilheiros. Ninguém esquece o seu funeral, com toda a Escola, efetivo completo dos 3 anos, estendido do corpo da guarda ao portão principal.

Duas circunstâncias ligam-me ao triste acontecimento. Escalado para comandar a guarda fúnebre, tinha de substituí-la durante o velório, a intervalos de cinco minutos, tal o clima de comoção. O comandante do CC, não resistindo ao choro convulso, contagiava oficiais e cadetes. A mãe, a cada vez que permitiam aproximar-se do filho único, ia em um crescente desespero, até que a retiravam por um tempo. Foi dantesco.

Outra: após a entrega de espadins, em 1944, recebi de um vizinho no Rio, fotógrafo do DIP, uma coleção de fotografias. As do Wilberto Lima, passando o estandarte ao José Pinto dos Reis, tive o prazer de enviar aos dois, quando cada um atingiu o generalato. As demais constam do álbum, que entreguei ao Paes Leme em um dos encontros qüinqüenais. Menos uma terceira, tirada durante o fora-de-forma, aguardando a chegada a Resende de parentes e convidados. Nela, em primeiríssimo plano, estava o Jorge, com o olhar ao longe, como que querendo identificar sua gente que, talvez, naquele momento ultrapassava o portão principal, fazendo a pé o trajeto que, passado ano e pouco, uma carreta de artilharia faria em sentido inverso, conduzindo seu corpo.

Essa foto, meses depois do acidente, fui levá-la à ainda inconsolável mãe, quando ouvi todos os sonhos, frustrados, que fizera para o Jorge, consolo e orgulho de sua viuvez...

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História 10 (Contada pelo Odin)

UMA INVASÃO

A história teve início com o falecido Hugo gritando:

- Atenção a Ala! Exmo. Sr General Comandante!

... e postou-se frente ao apartamento, fazendo continência.

Era a posse do Gen Prati de Aguiar e havia uma ordem que nós não tirássemos a farda (Quarto Tipo A).

Foi um corre corre danado. Dizem que o Nego Montezuma, que já estava nu, se escondeu dentro do armário.

Como demorasse a aparecer o General, alguém desconfiou e foi ver de perto. Não havia General e gritaram banho.

O Hugo se homiziou naquele apartamento e eles se entrincheiraram.

Nós os invasores, na tentativa de penetrar no apartamento, quebramos o vidro da viseira. O Jaime foi nomeado Oficial de Guerra Química e passou a utilizar os bastões de cloro-aceto-fenona que roubávamos das aulas do Ibiapina.

Invadimos o apartamento e eu, metido, fui um dos primeiros a entrar. Tomei na cabeça uma porrada, com aquele saco azul usado para levar roupa para a lavanderia. O mesmo estava cheio de botinas e coturnos.

A brincadeira terminou num banho geral, onde usamos até as mangueiras de incêndio.

... falou a tropa atacante... agora fala a tropa na defesa (Ivan):

... completando a narração do Odin, o apartamento autor do trote foi o meu, com Sava, Gama Abreu, Anápio, etc. Bolamos em conjunto a historinha e convidamos o Hugo, exatamente pela pose séria, de pince-nez e tudo mais, para a continência que não deixaria dúvidas.

As portas do apartamento foram abrindo devagarinho e aí foi aquele Deus-nos-acuda! Depois que ficamos em minoria, apanhamos muito e o medo maior era cair no corredor todo molhado, pois agarrados pelas pernas e braços, debatendo, podíamos, se soltassem a cabeça, dar com ela no duro piso.

Felizmente, tudo acabou bem. Tivemos de abandonar o apartamento, até a noite, para dissipar o lacrimogêneo que empestou todo o ambiente.

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História 11 (Contada pelo Martins)

SOBRESSALTOS DE ARTIHEIRO

Lembro-me bem, apesar dos anos. As baterias em posição, a turma de observação no PO com o nosso instrutor chefe, o Bicanca, tudo pronto para o início do exercício. Do meu posto telefônico tinha uma vista privilegiada do campo de tiro, uma encosta suave a meia distância com declividade crescente até formar um daqueles paredões muito comuns na topografia de Resende.

À hora prevista foi dada a ordem para iniciar a regulação. Retransmiti os comandos iniciais e, não demorou, ouvi e repeti o clássico "peça atirou!". O Bicanca, perto de mim murmurou "on the way". Afinal ele era egresso de Fort Leven Worth.

Transcorreu o tempo de duração do trajeto e... bumm . Todos vimos e vibramos. Bom trabalho da turma de topografia! Transmito a correção e, mais alguns segundos, novamente "peça atirou!".

Lá adiante, na região dos alvos, aparece a fumacinha branca característica das granadas de 75mm usadas na época e, estranho, um Cadete em desabalada, morro abaixo. Ganhou a estrada que do campo de tiro vinha em direção ao observatório e, sempre correndo, chamou a atenção sobre si e distraiu os que discutiam a observação e o comando subseqüente.

De repente parou à nossa vista, fora ainda do alcance da voz e com seu porte atlético, na posição de sentido, ergueu os braços cruzados sobre a cabeça, num gesto convencionado de "cortar motores".

Esta mensagem foi prontamente entendida e o tiro suspenso. Minutos depois o ESTÉLIO chegou esbaforido no PO e relatou para todos o que já havíamos imaginado: a figuração inimiga ainda estava na região dos alvos terminando sua montagem.

Graças à sua presença de espírito, noção do dever, coragem e robustez atlética foi evitado – só Deus sabe – um acidente fatal.

Dedico essa lembrança à memória do nosso amigo.

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História 12 (Contada pelo Vieira Ferreira)

INSTRUTORES NO PRIMEIRO ANO

Essa era atribuída ao "Chico Preto" - Tenente Paulo Correia Lima:

- Certa vez, a cavalo, a galope, foi surpreendido por um desnível vertical muito abrupto. Felizmente havia logo à frente uma grande árvore com um galho quase horizontal. Agarrou-se ao galho e ainda conseguiu evitar que o animal se precipitasse, retendo-o entre as pernas!

 

 

 

 

 

 

Do Murilão há varias outras, umas autênticas, como dizer que a pistola 45 pesava 1.200 quilos, em vez de 1.020 gramas. Perguntado se era isso mesmo, aborreceu-se e reiterou: 1.200 quilos !

Outra: quando colocávamos a Madsen na cangalha (1° Ano) advertiu o Henrique Luiz Stephan para que não batesse com o "macete" na arma, quando em verdade havia o Stephan perguntado a um companheiro: "qual é o macete para se prender isso" ?

E há outras.

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História 13 (Contada pelo Brígido)

LEMBRANDO VEDOVELLO

As nossas recordações escolares são muitas, boas e más, alegres e tristes, de fatos e de companheiros, e de chefes e professores.

Felizmente, entretanto, as da nossa turma de Artilharia de 46, com um saldo extremamente positivo. Cada um de nós é um verdadeiro arquivo vivo. E o Creusmar, hoje, é o nosso principal arquivista.

Não sei bem a razão, mas temos esquecido um colega. Ele não se formou conosco, mas foi de nossa turma, artilheiro por um dia.

Foi no nosso primeiro dia na Artilharia. Fazíamos as nossas mudanças dos apartamentos das alas do 1º ano para os da Bateria. Não me recordo bem de todas as nossa atividades desse dia, mas eram muitas, e andávamos de um lado para o outro, entrando e saindo no novo apartamento.

Esse colega não era muito ligado aos outros companheiros do meu novo apartamento. Quem o conhecia melhor era eu, que havia treinado com ele na equipe de basquetebol da Escola, onde, aliás, ele era o jogador de maior destaque. Estranhei que ele permanecia deitado em sua cama e lhe perguntei a razão.

Ele se queixou de uma terrível dor de cabeça. Não dei muita importância. À noite, entretanto, ele não apareceu para dormir, e soubemos que ele tinha ido ao Hospital Militar buscar algum tratamento. Até aí nada de especial.

Mas o dia amanheceu, e tivemos a notícia de que ele havia falecido. Fomos velar o seu corpo no saguão principal. Havia morrido o Vedovello, que conosco foi artilheiro por um dia.

Provavelmente teria se formado conosco.

Eu o homenageio com esta história de sua lembrança.

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História 14 (Contada pelo Ivan)

DEUS PROTEGE OS INOCENTES E...

...os ignorantes, é o dito irônico consagrado pela sabedoria popular. Pois é verdade. Deixem-me comprová-lo. Meu pai criou os cinco filhos na Rua Costa Bastos, que liga a rua do Riachuelo ao Bairro de Paula Matos, junto ao morro de Santa Teresa.

Nunca teve condições de adquirir um automóvel que, se fosse o caso, além de oferecer lugares... para a família toda (a diferença de idade entre os irmãos era pequena) devia ser resistente bastante para vencer a íngreme ladeira, calçada com grandes pedras irregulares, como amendoim em pé-de-moleque, naquela época. Subir a Costa Bastos não era brincadeira, a não ser para nós, acostumados a tanto. O Anápio, com muito preparo físico, na primeira vez que esteve lá, chegou como depois de um cross de dez quilômetros e ainda teve de vencer os 47 degraus do portão da rua à porta da casa...

O longo preâmbulo é para dizer que ingressei na Bateria absolutamente cru em matéria de direção. Tinha uma inveja danada do Daemon e outros que dominavam a matéria.

Bem ao estilo de quartel (menção não-pejorativa), na primeira instrução, por falta de monitores, depois de meia hora colocaram-me como um deles(!) a ensinar(?) colegas a comandar fogoso jipe...

E aí? Nem mel, nem porongo, diria o gaúcho, vendo-me privado do meu próprio treinamento. A solução foi "peruar" o serviço de colocação de alvos que, pintados de branco, serviam à regulação de tiro, conforme narra o Martins na história 11.

Tal tarefa era feita nos fins de semana. Em vez de pedir autorização para retirar um cavalo das baias, "para longos passeios através campo", na expressão do Major Ferraz, saía com um GMC 2,5 ton, carregado de sucata. A gasolina, evidentemente, era racionada e se a economizasse, mais renderia o percurso. Para tanto, na primeira vez que desci a estrada da Vaca Magra, não tive dúvida. Cortei o combustível e vim em ponto-morto ou com a viatura debreada, curva após curva, até o nível do Paraíba.

Ao contar o fato na segunda feira ao Ten. Baêta, crente que tinha feito uma grande coisa, levei a maior "mijada", pois então é que aprendi o que era o tal servo-motor, os gringos aqui de São Marcos (capital nacional dos caminhões) chamam de "freio a bufo".

Por sorte, pouco exigi do dito cujo, nem encontrei carros subindo a serra. É certo, Deus protege os inocentes e, claríssimo, os ignorantes...

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História 15 (Contada pelo Ivan)

REVISÃO DE UMA NOTA

Não sei se no 2º ou 3º ano, possivelmente naquele. A disciplina era Tática da Arma, a cargo do Major Ferraz, o nosso famoso Bicanca. A questão era um exercício na carta de 1/20.000, deslocamento de uma bateria hipo pela periferia do Rio (não havia ainda mapas da região de Resende para uso geral).

Ao receber o resultado, fiquei surpreendido com o grau, muito aquém do que esperava. Embora não fosse de reclamar, respeitosamente fui pedir que me apontasse o erro, até para servir-me de ensinamento.

Com certa ironia, o Major disse que eu fizera toda a cavalhada subir e descer as escadarias em Marechal Hermes, ou outra estação qualquer (não me lembro do pormenor), para ir de um lado a outro da linha da Central do Brasil. Tive de rir, também, mas ponderei que não havia distinção nos sinais convencionais entre uma passagem de nível na cota dos trilhos e aquela da prova.

E, quando me perguntou se não era carioca, respondi afirmativamente, mas gostaria de dizer duas coisas, se autorizasse: uma, que só conheci o Realengo ao fazer o exame físico para ingresso na E.M.; a segunda, se não me julgasse metido, que nascera na Tijuca e fora criado em Santa Tereza, de modo que, sem qualquer menosprezo a quem quer que seja, oficial ou colega que tivesse nascido nos subúrbios, eu só raciocinara nos termos do material fornecido para a questão.

Honra seja feita ao Bicanca: aceitou meus argumentos e corrigiu a nota dada.

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História 16 (Contada pelo Aquino)

OS ATRASADOS SÃO SEMPRE OS ÚLTIMOS

Estávamos em forma para o rancho. O oficial de dia era o Tenente Murilo.

Quatro colegas chegam atrasados. Se não me falha a memória: o Montezuma, o Gama Abreu, O Sava e o Castro Neves.

Pedem para entrar em forma. O Tenente Murilo faz suspense. E diz: Os atrasados...

Aí é que nós ficamos em suspense: "Vai punir? Logo o Tenente Murilo."

Daí veio o inesperado:

- "...são sempre os últimos."

 

 

Nota do editor: Ficaram célebres os ditos do Murilão, como por exemplo:

- na Ordem Unida: - Batam com o pé, na testa!

- na Topografia: - Dois quadradinhos são duas casinhas juntas; Um quadradinho é uma casinha junta.

- na conversa: - Na terceira vez que eu fui a Barra Mansa, eu nem fui lá.

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História 17 (Contada pelo Ivan)

UMA ASSEMBLÉIA GERAL

 

Durante a vida participei de muitas assembléias ou reuniões numerosas. Toda vez que não há uma pauta bem definida, que as intervenções dos presentes não estão bem regulamentadas, com inscrição prévia, tempo máximo de cada pronunciamento, etc. volto a agosto de 44, no Cinema Escolar, em Resende. Lembram-se.

Mesmo depois do Carro de Fogo éramos mais de 500. Reuniram-nos no cinema inacabado (não havia poltronas, ainda), para discutirmos se íamos, ou não, levar trote dos veteranos do Realengo, quando ali fôssemos acantonar, por ocasião da parada de Sete de Setembro.

Ocorre que já passáramos pelo episódio, orquestrado pelos nossos colegas repetentes, que fizeram a transição entre as duas escolas. Aqui, um parênteses: está fazendo falta o depoimento de um deles sobre o papel que desempenharam na continuidade (ou não) dos costumes e tradições e tudo mais que se relacionasse com a vida dos cadetes, lá e acolá.

Tínhamos 17, 18 e 19 anos na época. Em pleno Estado Novo, não tenho memória de reuniões estudantis no meio civil. Não creio mesmo que, inclusive os oficiais, alguém tivesse experiência na direção e participação em discussões, por assim dizer, democráticas e com tanta gente.

Foi o que se viu. Todo mundo dando palpite, sem microfones, quase ao mesmo tempo (pelo menos, são as lembranças que tenho, não sei se exatas, faz tantos anos...) Até que um dos colegas do nordeste saiu-se com aquela pérola, "quando eu acabar de expuser.."

... e o Glostora, Cap. Rui Pinto Duarte, aos gritos,

- "Deixa o cadete falar, deixa o cadete falar!".

A assembléia acabou quando ninguém soube responder a pergunta feita por um companheiro mais ponderado:

- "há alguma informação sobre se a turma do Realengo quer mesmo nos dar trote, de novo?".

De fato, ao que tudo indica, nada pretendiam a respeito e nossa rápida convivência com o pessoal das Armas, desde a véspera do desfile, foi inteiramente cordial e amena...

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História 18 (Contada pelo Creusmar)

AS MONTANHAS

Houve época, mais no primeiro ano da Escola, em Resende, em que a Direção da mesma providenciava algum lazer para a cadetada, geralmente nas dependências do cinema ainda sem cadeiras. É que os licenciamentos eram bem raros, poucos durante o ano todo, e a vinda do pessoal a grandes cidades, como o Rio de Janeiro era muito difícil, demorada e onerosa. Tinha de ser no Expressinho, com muita fumaça, carvão e seis horas de viagem de ida e outras tantas de volta, a serem abatidas do total das horas livres do fim de semana, que começava no Sábado à tarde e terminava no Domingo à noite.

Lembro-me de um fato cômico, ocorrido numa dessas seções de espetáculos que geralmente eram apresentadas por artistas circenses ou de teatro.

Uma vez, creio que já em 1945, apresentou-se um corpulento artista que se intitulava O Homem Montanha. Ele pregava pregos com pancadas com a mão e os arrancava com os dentes.

Segurando a mesa com os dentes, ele a levantou do chão ( em cima da mesa estava todo o seu ferramental de trabalho, que incluia pedras e barras de ferro ).

Por fim ele lançou um desafio: Ele arrastaria dois espectadores, com uma corda segura pelos dentes. Que se apresentassem os voluntários.

A turma é cruel: Gritou logo:

- Zé Floriano(ou Fritz, não estou certo) e Mena Barreto!

Vocês sabem que diante destes dois, que poderíamos chamar de Everest e Agulhas Negras, o pobre desafiante mais pareceria uma pequena colina. Quando ele os viu, clamou logo:

-Não!... Eu pedi homens normais...

Realmente ele não conseguiu mover os dois apresentados, nem um pouquinho.

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História 19 (Contada pelo Ivan)

UM CONSELHO DE VETERANO

Durante a Preparatória e primeiros meses em Resende, era "peru" de Cavalaria. Muitos companheiros sabiam disso. Entretanto e apesar da pressão do Cap. Assis, comandante da 3ª Cia, que gostaria de levar um grupo de cadetes seus para a nobre Infantaria, fui amadurecendo a escolha da Poderosa. A arma ligeira ficou como alternativa, em segunda opção. Ao final do segundo ano, um colega do primeiro, nascido na mesma cidadezinha de meus pais, Volta Grande, Minas Gerais e meu longínqüo primo, veio procurar-me. Queria tratar de assunto muito sério para ele e, se possível, gostaria de conversar à noite, em local calmo e sossegado, para que eu pudesse orientá-lo. Claro, coloquei-me à disposição.

Passei o dia dando tratos à bola, pensando no tal assunto sério. Vira e mexe, acabava concluindo que se tratava de mulher (pudera!). Certamente ele engravidara alguma menina em Resende e agora, na maior banana, queria ver como safar-se da bronca. Que conselho poderia dar, do alto da minha grande experiência (!) de veterano, com dois anos de atuação no C2R2 (Clube Cultural Recreativo Resendense)(*)? Desisti da adivinhação e resolvi esperar pela consulta.

Pois não era nada do que pensei. Pediu-me apenas que explicasse as razões pelas quais tinha preferido a Artilharia, pois gostaria de seguir Andrade Neves e Osório, mas ficara impressionado com a minha mudança. Dei uma boa risada, contando-lhe meu palpite furado. Quanto a ele, que seguisse sua inclinação, pois tinha certeza de que faria bem. Não deu outra. Meu parente chamava-se Ramiro Monteiro de Castro, aspirante de 1947, cavalariano. Atingiu o generalato e comandou a AMAN. Como a vida de todos nós é resultante dos pequenos vetores do dia a dia, sabe-se lá que influência teve a tal conversa...

* (nota do editor) - No clube, formava-se uma linha de dezenas de cavalheiros(cadetes) e, quando a música começava, todos partiam, como na largada de uma corrida, para tirar para dançar, uma entre as quatro ou cinco moças de Resende...

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História 20 (Contada pelo Ivan)

GOSTÊMO

Mazzaropi, que depois tornou-se cômico de sucesso no cinema nacional, nas pegadas de Cantinflas e do Carlitos, começou com um cirquinho mambembe. Em 44, poucas oportunidades de lazer eram oferecidas aos fundadores da Escola Militar. O cinema, com os dois últimos projetores Siemens chegados ao Brasil, antes que a Alemanha nazista quase acabasse com a nossa marinha mercante, só foi inaugurado no fim do ano (o nosso cinema dá samba, isto é, dá historinhas, aguardem ou se pronunciem!); piscinas, só depois que deixamos Resende. Era dura a vida, se era: vocês vão para a guerra, são voluntários, o pessoal do Realengo acha vocês umas dondocas!

Restava o circo, que se instalava perto da velha ponte metálica sobre o Paraíba, sinal certo para São Pedro abrir as torneiras e, de vez em quando, brindar a trupe de artistas com uma enchente pra ninguém botar defeito. Se fizesse bom tempo, lá estava quase todo o efetivo da Escola, o 1º ano com 600 e mais cadetes. Um mar verde nas arquibancadas, divertindo-se mais com as piadas da turma que com a performance no picadeiro. No elenco, uma infeliz sexagenária, com dentadura 1001, que se esganiçava imitando a Linda Batista, Emilinha Borba, Marlene, estrelas da época... Era terminar a desafinada cantadoria, o circo vinha abaixo de tanta palma, só gozação...

- Vocês gostou? Gostêmo! Bis! Até a velha perder a voz, o Mazzaropi tremia ante a possibilidade daquela malta ficar insatisfeita e derrubar tudo...

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História 21 (Contada pelo Ivan)

UM SHOW

A historinha 10, contada pelo Odin, ocorreu no dia da passagem de comando da Escola, pelo Gen.Aristóteles de Souza Dantas ao Gen. Álvaro Prati de Aguiar.

Esta é de um dos dias imediatos, quando estávamos nos exames orais, às vésperas da Declaração de Aspirantes.

A banca era de Balística e quem estava no quadro era o Ruy Collares Machado, primeiro da Turma de 46, que foi perder o lugar, desculpem-me a irreverência, no tapetão, pois descobriram que o prêmio Henrique Lage não era do primeiro, mas do "cadete mais distinto", coisa que era negada ao Collares, pois tinha uma cadeia no currículo, aquela coletiva do início do 2º ano, no "Bafa da Artilharia", por causa do passo bobo!

O Collares teve os votos do Major Instrutor-Chefe da Cavalaria, Milton Barboza Guimarães e do Major Lindolpho Ferraz Filho, da Artilharia. Votaram pelo Vitorino Carneiro Monteiro (nada contra o nosso querido colega), os das demais Armas, Paulo de Queiroz Duarte, da Infantaria e Carlos dos Santos Jacyntho (o Bonzinho), da Engenharia.

Desempatou o Ten Cel Art Olindo Denys, comandante do CC, conforme informou o Ten. Sá Martins, nosso amigo e paraninfo. Pois ao início do exame do Collares, entra na sala o Gen. Comandante. Aí, a banca foi para o temido Ponto Vago e dê-lhe perguntas.

O Ruy foi indo, firme, fazendo, afinal, o mesmo raciocínio do autor, estabelecendo as fórmulas de Gauss ( nós decorávamos apenas as finais) após, creio, quase hora, o quadro cheio com as deduções exigidas!

Obteve como prêmio das melhores notas na cadeira, um revólver 32, que ainda conserva, tudo constando de suas alterações.

Sinceramente, não me lembro se a platéia o ovacionou. Cinqüenta e cinco anos e alguns meses já se passaram. No coração eu as escuto, as palmas, até hoje, verdade ou não, saudando o 546, que foi soldado, cabo, sargento, aluno da Preparatória de Porto Alegre e continua a ser para nós, artilheiros, o primeiríssimo de todas as Armas da turma de 46.

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História 22 (Contada pelo Toledo Camargo)

ARTILHEIROS

Desejo contar aqui o Caso da Canção, um episódio que ocorreu em 1945, na Escola Militar de Resende. Visto na perspectiva de mais de meio século, pode parecer desimportante. Mas marcou profundamente as duas turmas de Artilharia que o viveram.

Estávamos no início do ano letivo e havia um novo comandante na Escola: o general Aristóteles de Souza Dantas vinha substituir o coronel Mário Travassos, que nos comandara no primeiro ano. Apelidado de "baianinho" por seus contemporâneos, Souza Dantas era um apaixonado cavalariano, bom cavaleiro, atributos que só deveriam enaltecê-lo.

Mas a promoção a general não atenuou o espírito de arma do coronel de Cavalaria. O comando da Escola Militar talvez tenha lhe despertado a nostalgia, ao ver os jovens cadetes de sua Arma em exercícios como os que tinha realizado na juventude.

Até aqui, apenas suposições. Mas na verdade, a preferência do comandante pela Cavalaria era mais do que nítida. O general acompanhava pessoalmente exercícios dos cavalarianos. Ministrava ele próprio algumas sessões de instrução. Participava de seus churrascos e comemorações. Chegou equipamento novo na Escola: foi distribuído para a Cavalaria, é claro. O ciúme/inveja penetrou fundo nos cadetes das outras Armas; ninguém é vacinado contra esse sentimento, muito menos os jovens como nós éramos. Qualquer decisão do novo comandante para nós era marcada por seu espírito de arma, que julgávamos exagerado.

Havia um hábito no Curso de Artilharia que vinha desde os tempos da Escola Militar do Realengo. Não sei exatamente há quantos anos, Para um Curso que trocava de alunos e instrutores num ciclo médio de dois anos, as tradições são de curta gestação. Mas o hábito a que me refiro, certo ou errado, era considerado uma tradição da Artilharia. Consistia em marchar em certas ocasiões mais solenes cantando a Canção da Artilharia. Até aí, nada demais. Mas a canção, composta para ser cantada a cavalo, tinha andamento muito mais lento do que a cadência do passo ordinário (cento e vinte passos por minuto) estabelecida pelo Regulamento de Ordem Unida. E a Artilharia, para cantar, baixava a cadência para sessenta ou oitenta passos por minuto.

Por certo, um arranhão no regulamento. Tolerado há alguns anos, tanto que virou tradição. E era de fato muito bonito esse desfile. Solene, imponente, majestoso - o regresso da Artilharia de volta da instrução atraía espectadores (cadetes de outras armas e bichos empolgados) e despertava ciúmes de muita gente.

Alguém descobriu, nas aulas de História Militar, que a Artilharia brasileira na Guerra do Paraguai era chamada de "boi de botas" porque acompanhava, em passo lento, os canhões tracionados por bovinos. Daí para dizer que a marcha lenta (nós intitulávamos "passo bobo" ) da Artilharia fincava suas raízes em Tuiuti, foi um passo. E a tradição - tão inocente - despertava muito orgulho nos artilheiros daquele tempo.

O general Souza Dantas, por inspiração própria ou insuflado por assessores, baixou a ordem definitiva. "Fica proibido, a partir desta data!". A razão invocada era a de que bloqueava a marcha de outras Armas que na mesma ocasião estivessem voltando dos parques de instrução. Mero pretexto: as alamedas que ligavam o pavilhão principal às áreas de instrução militar eram (estão lá para serem medidas) mais que suficientes para colunas de marcha dobrarem as colunas em marcha lenta.

Na Artilharia aquilo soou como um cataclismo. Ninguém se conformava!

No dia 15 de março, dez dias depois do ingresso triunfal na "Arma dos fogos poderosos, largos e profundos", como gostávamos de exibir, estávamos em clima de rebeldia.

Na formatura da Revista do Recolher da 2a Bateria (que incorporava os segundanistas), às sete da noite, alguns cadetes do terceiro ano compareceram para dizer palavras do tipo "chegou a hora de a Artilharia mostrar o que é" e de nos insuflar para o ato planejado para o dia seguinte, quando a Artilharia se deslocasse dos Parques para o Conjunto Principal. Não só aderimos à sugestão como nos empolgamos totalmente com a idéia. Nenhum pacto poderia ser mais sólido do que aquele,

No dia 16, às cinco da tarde, a coisa se consumou. Ficamos escondidos num bosque a meio do caminho e quando o terceiro ano passou marchando, incorporamo-nos à formatura. Tomamos o "passo bobo" e cantando a Canção da Artilharia fizemos juntos os últimos duzentos metros. Todos empolgados, muitos chorando, sabíamos das dimensões desse desafio. Duvido que algum daqueles cento e cinqüenta cadetes que estavam em forma possa ter esquecido de minutos tão densos com os que então vivemos.

A chegada ao pátio principal da Escola espalhou a emoção que trazíamos. Havia colegas de outras Armas nos aplaudindo, gritando "Artilharia!", saudando-nos com "hip hurrahs"! O que contribuiu para assustar o comandante e os oficiais: ficaram bem cientes de que havia uma rebelião em marcha.

Coroando o episódio, o sargento de dia - cadete Jobim - entregou um pacote com requerimentos de todos pedindo desligamento da Escola. A argumentação do pedido era a de que, sabendo que tínhamos praticado um ato de indisciplina, não nos julgávamos mais em condições de ser cadetes!

No dia seguinte, que era um sábado, ficamos detidos no alojamento e começou o inquérito policial militar. Mas nós nos sentíamos invulneráveis: éramos um bloco coeso, estávamos empolgados pela justeza do ato praticado, ninguém poderia conosco, que éramos mais do que muitos, éramos todos os cadetes de Artilharia do Brasil!

O inquérito foi conduzido com rapidez e habilidade. Os cadetes do terceiro ano desapareceram: depois soubemos que estavam presos e cumpriam suas penas em quartéis da Vila Militar no Rio de Janeiro e do Vale do Paraíba. Boa aplicação do princípio napoleônico de dividir para vencer. Nossos colegas (e líderes) já não estavam mais ao nosso lado.

Quanto ao segundo ano, a detenção e o isolamento começaram a abalar o moral. Boatos surgiam e começamos a perceber que a coesão estava durando menos que as rosas de Malherbe.... Já no segunda-feira, dia 19 de março, alguns colegas vinham perguntar se era o caso de resistir. Eu, mesmo sem exercer qualquer liderança no processo, tinha mergulhado de coração e mente na rebeldia, e não podia entender a dúvida.

Numa noite, pouco depois, chamaram-nos para o interrogatório. Um a um, no gabinete do comandante do Corpo de Cadetes, tenente-coronel Olindo Denys, tivemos que responder a duas perguntas:

1. "Fez você na Escola algum compromisso mais importante que o do espadim?" (Tinha havido no ano anterior, na festa da entrega do espadim, um solene juramento de fidelidade à Pátria e ao Exército).

2. "Faz alguma ameaça à disciplina ou alguma condição para permanecer na Escola?"

Não e não responderam todos os segundanistas. As perguntas eram hábeis e dificilmente alguém responderia diferente. Fomos punidos com quinze dias de prisão, cumpridos nos alojamentos. Para aumentar o valor do castigo e esfriar o ambiente escolar, os demais cadetes tiveram um licenciamento espetacular - uma semana inteira. Providência bastante inteligente.

O episódio ainda teve algumas repercussões. Quando os colegas do terceiro ano regressaram dos quartéis onde tinham sido presos, percebemos que faltavam oito cuja punição tinha sido o desligamento da Escola. Parece que no inquérito tinham sido mais veementes do que os demais.

O fato prejudicou muito a turma do terceiro ano. Seus componentes arrastaram-se até a declaração de aspirantes, sem nenhum entusiasmo, com mil desavenças internas, inesquecida a ausência dos oito colegas.

Para nós do segundo ano, foi mais fácil de superar tudo. Pelo menos a Bateria tinha ficado íntegra. Aos poucos a lembrança do fato foi se esmaecendo.

Examinado agora, com a experiência de tantos anos, o episódio mostra pelo menos duas coisas.

Primeiramente, a inabilidade do comandante ao proibir a Canção da Artilharia. Ninguém pleiteava melhor soldo, melhor alimentação, melhor ensino, embora curtos e deficientes fossem esses e muitos outros itens da vida escolar! Queríamos apenas manter o que nos parecia uma tradição sagrada e expandir a vibração juvenil que sentíamos pela Arma à qual iríamos servir por tantos anos. Era uma pretensão absolutamente inocente!

Em segundo lugar, sem sombra de dúvidas, a conclusão é que tendo ocorrido a desobediência, indispensável seria agir com toda a firmeza, como foi feito. Não há exército que resista a indisciplinas - mesmo a uma "revolta dos anjos" como tinha sido a nossa. O comando da Escola diante do desafio agiu como devia.

No plano pessoal as conseqüências foram mais amargas. Passei a ter outra idéia sobre o que era lealdade, respeito à palavra assumida, coragem de cumprir compromissos, camaradagem. Chocou-me profundamente saber que aqueles cadetes do terceiro ano que foram nos insuflar, tinham sido dos primeiros (soubemos depois) a abandonar o barco! Sempre tive remorsos ao lembrar dos oito cadetes que levaram até o fim o pacto e por isso receberam a punição máxima. E confesso que até hoje não sei se fui perfeitamente leal aos compromissos assumidos quando respondi não, como todos meus colegas, à segunda pergunta do encarregado do IPM.

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História 23 (Contada pelo Brigido)

O MEU CAPITÃO

Eu me permito assim chamá-lo pela grande admiração que sempre tive por ele, o nosso Comandante da Bateria de Artilharia na Escola Militar de Resende, capitão Herman Bergqvist. Dele só me faltou a bofetada que eu fiz por merecer e ele não deu, embora demonstrasse a vontade.

Já estávamos no último ano, e a minha turma voltava dos parques de instrução no fim da labuta diária. Comandava a turma o nosso colega Floriano.

Nós sempre tínhamos direito de vista da correção das provas que realizávamos, não era novidade para ninguém. A certa altura da marcha, o Floriano avisou:

- O capitão me mandou recolher as provas do pessoal que fez segunda chamada de ( uma matéria de que não recordo). Um dos que fez a prova recolhe de todos e me entrega.

Então, gritou um engraçadinho, que eu acho que foi o Odin, embora ele negue:

- O Brigido!

Imediatamente, eu protestei:

- Eu não fiz essa prova e nem sei quem fez, não vou recolher nada.

Mas o chefe de turma insistiu:

- Não interessa, é você quem vai recolher, é uma ordem.

Eu nem sabia da existência daquela prova e, muito menos, de quem a havia feito. Não recolhi coisa alguma e insisti na minha recusa para o chefe da turma.

Ele foi se queixar ao capitão, e o capitão me chamou. Fui recebido no PC, em um apartamento pequeno, o primeiro da ala. O capitão estava acompanhado de um sargento burocrata que escrevia em uma máquina, de costas para nós.

O capitão foi logo perguntando:

- Por que você deixou de cumprir uma ordem do seu chefe de turma?

Eu historiei todo o fato, porem, fulo com o chefe de turma, fiz a asneira de arrematar:

- E agora, eu já disse que não recolho, vou cumprir a minha palavra e ninguém vai me obrigar a fazê-lo.

Foi um desafio impertinente ao capitão, e que jogava por terra todas as minhas presumidas razões. O capitão indignou-se e me advertiu asperamente:

- Não fale assim comigo! Eu sou mais velho do que você, sou seu superior e sou homem.

Eu vi a minha parada perdida, achei que ele iria me obrigar a fazer o que eu tinha me negado. Resolvi continuar lutando e lhe respondi:

- Eu o reconheço como mais velho, mas meu superior o senhor só é hierárquico, e como homem nós empatamos.

Deus do céu, as minhas palavras toaram como se fosse um trovão. O capitão, que já estava indignado, levantou da cadeira em um salto, apoiou as duas mãos sobre a mesa, me olhou bem na cara, os seus olhos relampejavam, e eu senti a sua vontade de me esmurrar. E ele era bem mais forte do que eu. Ele parou e se dirigiu ao sargento:

- Sargento, saia e feche a porta!

Eu senti que iríamos nos atracar, mas acho que foi a nossa salvação. Os instantes ganhos com a saída do sargento o fizeram refletir melhor. Fechada a porta, ficamos de pé, ambos calados, cara a cara, olhando firmemente um para o outro. Aqueles instantes me pareceram um século, até que ele rompeu o silêncio:

- Cadete, váaaai eeembora!

Eu me perfilei, fiz continência e saí voando. Do lado de fora comecei a viver outro drama. E agora, o que ele vai fazer? De uma punição eu não escapo, mas qual será? E até em desligamento da Escola eu comecei a pensar. Foram três ou quatro dias de aflição.

Veio uma revista do recolher e o capitão apareceu. Foi feita a chamada e a leitura do boletim, eu ansiando pela leitura da quarta parte. Mas passei por ela. Então, ouço a voz do capitão:

-cadete Brigido, fora de forma!

Eu saí e me postei ao seu lado. Ele continuou:

- Repreendo o cadete Brigido perante a Bateria, por ter respondido mal ao seu capitão. Pode entrar em forma.

Oh! Que alívio. E eu nunca soube quem recolheu as tais provas. Ainda assim, eu fui estúpido e malcriado até o fim do curso, sempre evitando acintosamente falar com ele. E ele nunca me prejudicou em nada.

Fizemos as pazes quando, já tenente, o encontrei em Curitiba. Convidei-o para o meu casamento e ele me honrou com a sua presença.

Descrevo este episódio para que fique gravado no site da nossa turma, para realce da sua figura extraordinária, e como uma homenagem, infelizmente póstuma, ao "meu capitão".

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História 24 (Contada pelo Brigido)

TRABALHO DE TOPOGRAFIA

Nós havíamos acabado de ingressar na artilharia, todos por opção própria, extravasando alegria pela realização da nossa própria vontade, com justo orgulho da vitória alcançada. Não podíamos imaginar a recepção que nos aguardava.

Realmente, o general comandante da Escola nos castrava naquilo que acreditávamos que nos caracterizava e diferenciava, a marcha no chamado passo-bobo e o canto da nossa canção em ritmo lento.

O episódio convulsionou toda a artilharia, envolvendo tanto os cadetes como os oficiais, valendo para cada um de nós, os novos artilheiros, uma prisão de 15 dias no alojamento.

A prisão, entretanto, não encerrou o drama. Ficamos muito traumatizados, arredios e desconfiados por bastante tempo.

Foi quando apareceu um tenente novo, o tenente Walter Junqueira, que vinha substituir um velho coronel como professor de topografia teórica.

Eu não sei a razão, mas ele conseguiu angariar uma certa antipatia de grande parte dos alunos, e foi nesse estado de espírito que se desenrolou o episódio que vou narrar.

Por dever de justiça, entretanto, quero ressaltar que, mais tarde, ele veio a desempenhar funções de nosso instrutor e soube desfazer a má impressão inicial e conquistar a nossa estima. Mas o ambiente ainda não era bom quando ele nos passou um trabalho para ser feito no alojamento, ao qual ele daria graus, coisa que não nos agradava.

Como eu era o chefe de turma, fiquei com a incumbência de recolher os trabalhos e lhe entregar. E eu o fiz, ou melhor, fiz uma parte.

Decorrido aproximadamente um mês, certa noite, eu estava remexendo as gavetas da minha escrivaninha, quando deparei com um envelope estranho. O que é isto? Meu Deus! São os trabalhos de topografia, eu esqueci de entregá-los ao homem. E agora? Fiquei assustado e comentei com os colegas de apartamento.

Nossa opinião foi unânime, ele também esqueceu que passou o trabalho, caso contrário os teria exigido. Eu já não devia mais entregá-los. Mas o que fazer com eles? E surgiu a idéia de jerico: Vamos corrigi-los e distribuir. Graus baixos para os melhores alunos e graus altos para os piores. Vai ser o dia da desforra.

Era hora de estudo e fechamos o apartamento para não sermos incomodados. Lápis vermelho e azul nas mãos e os oito cadetes do apartamento formando a banca examinadora. Cada qual escolhia o colega que queria gozar. Em pouco tempo o trabalho foi feito. As correções eram completamente sem nexo e escandalosas. Quanto mais fraco o aluno maior era o grau e maiores eram as observações elogiosas, os primeiros da turma eram premiados com os graus mais baixos e as observações mais contundentes.

Eu fui para a ala e gritei:

-Atenção a ala, chegaram os graus do trabalho de topografia.

Foi um corre-corre e eu comecei a fazer a distribuição dos trabalhos. Em poucos instantes começaram a explodir as alegrias dos mais fracos e os protestos dos mais fortes. Lembro de um colega que dizia:

-Ele sujou o meu trabalho e ainda me chamou de porco.

Outro queria telefonar para a casa do tenente e tomar satisfações. Foi difícil convencê-lo a esperar o dia seguinte. Lembro de um colega, a quem tínhamos dado grau dez, entrando todo sorridente no nosso apartamento, dizendo:

- Adonis, veja: um lona ponto lona. Excelente.

Bem, a noite foi agitada, ninguém mais estudou e alguns não devem ter dormido. E as orelhas do tenente devem ter ardido de tanto xingamento.

No dia seguinte pela manhã formamos para o café. E eu tive que confessar a brincadeira, antes que a bomba estourasse. Foi uma brincadeira, um trote. No final da tarde toda a banca examinadora foi levada e jogada no lago.

Muitos anos depois, quando eu e o Junqueira já éramos coronéis da reserva, conversando na casa de um amigo comum, eu contei a eles o episódio.

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História 25 (Contada pelo Brigido)

A MEIA VELHA

O meu pai era civil, um comerciário em 1932, um homem como outros tantos que eu conhecia em meus seis anos de idade, que se trajava de terno, gravata e chapéu. É verdade, nenhum homem distinto andava sem chapéu àquela época.

Ele saía de manhã para trabalhar e só regressava ao anoitecer. Porem, eu tinha um tio que era tenente de cavalaria, um homem totalmente diferente de todos os outros que eu já tinha visto.

Ele usava um imponente uniforme, com uma túnica apertada na garganta e fechada por uma carreira de botões, que lhe era ajustada à cintura por um largo cinturão de couro; do cinturão partia uma tira de couro que lhe subia pelo peito, passava por baixo de uma ombreira estrelada e, pelas costas, descia ao cinturão. Ele a chamava de talabarte. De um lado, ele portava um coldre com um imenso revolver. E não usava calças e sapatos, como o meu pai, usava um culote com botas de couro que reluziam, e um brilhante par de esporas que tilintavam quando ele juntava os calcanhares. Encimava-o, em seu porte sempre elegante, um lindo boné verde circundado por fio branco e com uma pala preta.

Era um homem diferente, para mim, um valente domador de cavalos e um grande atirador, sempre com o seu chicote e o seu revolver. Um homem importantíssimo, que todos admiravam e respeitavam.

Eu não tinha dúvidas, eu queria me tornar um homem igual a ele, ser um tenente de cavalaria.

Assim, eu fui para o Colégio Militar e depois, já rapaz, ingressei na Escola Militar. Na Escola me apaixonei pela Artilharia, e como esta também era uma arma montada, eu troquei a Cavalaria pela Artilharia.

Veio, então, a minha esperada primeira instrução de equitação, e eu me trajei com o maior esmero, copiando o mais possível a figura do meu tio. Como eu, outros colegas também ansiavam por ela, ainda que houvesse alguns que não gostavam muito de cavalos e preferiam que a Artilharia não fosse arma montada. Entretanto, nos fizeram uma recomendação muito estranha, que eu cumpri sem entender a razão. Cada um de nós deveria levar uma meia velha.

E lá fui eu com a minha meia velha para o parque. Lá chegando, me deram um cabresto, uma escova e uma rascadeira, e me mandaram apanhar um cavalo nas baias para dar banho nele.

Que decepção, eu todo arrumado, pronto para domar uma fera, e ia dar banho no animal. Nem havia passado pela minha cabeça que cavalo tomava banho, e que cavaleiro devesse aprender a fazê-lo.

Bem, apanhei um cavalo, o levei para a torneira e comecei a cumprir a penitência. Não sabia o que ainda me esperava. Um tenente me perguntou:

- Trouxe a meia velha?

Eu lhe respondi afirmativamente, sem saber para o que ela iria servir.

- Então, calce a meia na mão, enfie na bolsa do cavalo e limpe o membro do animal.

Não! Essa não! Isso é a minha desmoralização completa, eu vim aqui para montar.

Mas não houve jeito de escapar, tive que fazê-lo, enquanto um colega ao meu lado se escancarava de rir.

Sem saber, ele tinha apanhado uma égua para lavar.

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História 26 (Contada pelo Brigido)

A MINHA BANANA

Na Escola Militar os cadetes vivem em grupos, são grupos de sub-unidades, de armas, de turmas, e até de apartamentos. Cada grupo tem a sua personalidade e os seus princípios de união, que ditam os comportamentos das personalidades individuais. E é sabido que jovem sozinho é um santo, mas dentro de um grupo pode virar demônio.

Pois bem. Um dia, alguém do meu apartamento apareceu com um fogareiro elétrico. E logo surgiu a idéia de fazer comidinhas à noite.

Em pouco tempo apareceram frigideira, panela, chaleira, gêneros alimentícios e sei lá mais o quê. Eu não sei bem porque nunca soube cozinhar nada e não me meti muito no negócio.

Mas surgiu um problema, não havia onde guardar a muamba. Dentro dos armários de roupas era impossível, e a muamba ficou arrumada na estante de livros, onde ficava exposta.

Não passou muito tempo, e o capitão Perdigão foi fazer uma inspeção na ala, enquanto nós estávamos em aulas. Tudo que ele encontrou fora dos armários mandou o servente jogar no chão da ala, inclusive todo o nosso equipamento de culinária.

Ao chegarmos à ala, estava o Braz varrendo tudo para o lixo, era a ordem do capitão. Ficamos todos indignados, mas já nada podia ser feito. Estava fechada a lanchonete.

Dois ou três dias depois, eu vou à cidade e vejo na vitrine de uma loja um boneco de louça. Era um busto de um velho de barba branca, com os braços cruzados, um largo sorriso e dando uma banana. Em baixo do busto havia a inscrição: TOMA. Tinha, aproximadamente, um palmo de largura por outro de altura, palmo de mão pequena.

Pronto, o demônio me cutucou e me deu uma idéia. Perguntei o preço do boneco e hesitei um pouco porque era caro para mim. Mas o demônio não me deixou desistir e eu comprei o boneco.

Veio novo dia de aula e eu imaginei que o capitão iria voltar. Arranjei uma botina velha e coloquei embaixo da cama, atrás dela arrumei cuidadosamente o boneco. Quando ele mandasse tirar a botina ganharia a banana. Seria a nossa desforra e a minha alegria.

Que beleza, que gostoso, eu ia dar uma banana para o capitão. Isto me sabia como uma glória.

Apesar de um pouco receoso à reação dele, já não podia mais desistir. Afinal, havia gasto um bom dinheiro na compra do boneco e a turma do apartamento estava entusiasmada com a idéia.

Diga-se de passagem que eu gostava muito do Perdigão, ele era um cara simples, brincalhão e também gozador, como eu sempre gostei de ser. Gostava de encarar a gente bem de perto, fazendo cara feia mas rindo para dentro.

Montada a armadilha, fomos para as aulas. Ao regressarmos, não encontrei mais nem a botina nem o boneco, e ficamos um pouco decepcionados. Fui ao Braz para nos contar a história.

Ele nos contou que o capitão, realmente, tinha mandado varrer a botina, e que o meu boneco ele havia levado, sem fazer qualquer comentário.

Foi um pouco decepcionante porque a brincadeira não ecoou como eu gostaria, e levando o meu boneco, sem que eu pudesse reclamar, ele também me gozou.

Mas eu me conformei, o meu recado, o meu protesto e a minha banana, eu os tinha dado.

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História 27 (Contada pelo Brigido)

O CHEFE CHOROU

Vou contar uma outra, à qual eu não quero dar destaque porque me envergonho um pouco dela.

É isto aí, todo brincalhão é um espírito de porco e, algumas vezes, acaba fazendo besteira. Foi o que ocorreu comigo. Talvez até eu esteja fazendo outra asneira em contá-la, pois é um segredo guardado, há muito anos, a sete chaves. Mas guerra é guerra.

Ao contrário do Perdigão, o nosso major instrutor-chefe era um cara muito vaidoso e emproado para o meu gosto, não fazia o meu tipo, e eu não gostava dele. Ainda que eu não tivesse qualquer razão séria para rejeitá-lo.

Estávamos em um anfiteatro o aguardando para uma aula de Tática, e eu sabia que ele costumava escrever no quadro o roteiro da aula, e que usava muito o giz e o apagador durante as aulas.

Casualmente, eu tinha no bolso algumas ampolas de cloroacetofenona, sobras de uma aula de guerra química. Usando o apagador, eu espalhei bastante pó de giz pelo quadro, e estourei nele três ou quatro ampolas do gás.

O major entrou em seguida e começou a usar o quadro. A minha receita de pó de giz com gás lacrimogêneo começou a produzir efeito. O homem começou a chorar. Ele tirava o Ray-ban, botava o Ray-ban, e não resolvia nada. Estava ruim de escrever e pior ainda de apagar. Puxou um lenço branco do bolso, mas acabou sujando o lenço e piorando a situação.

Coitado, sofreu a aula toda enquanto eu me divertia. Ele não podia imaginar o que estava ocorrendo e não tinha como se proteger melhor.

Foi, sem dúvida, uma maldade, uma brincadeira de mau gosto, coisa de espírito de porco. Só agora estou me entregando, por fidelidade à história e por não ser candidato a São Brigido.

Se ele puder estar lendo as nossas histórias, espero que não esteja no inferno me esperando. Se estiver no céu, certamente não nos encontraremos.

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História 28 (Contada pelo Brigido)

MOTORISTA NA MARRA

Em minhas férias, quando eu passei do primeiro para o segundo ano, ali onde hoje se ergue o estádio do Maracanã, nos terrenos do antigo Derby Club, havia alguns barracões enormes de madeira, onde estavam instalados, se não me engano, dois Batalhões de Carros de Combate. Um deles era comandado por um tio meu, então, major de cavalaria.

Eu pedi ao meu tio que me ensinasse a dirigir automóvel e, fardado de cadete, fui ao Batalhão. Ele me mandou um sargento me dar a primeira aula em um jipe. Foi a primeira vez que eu me assentei a um volante, sem saber nada de carro, nem mesmo para o que servia a embreagem. Depois de uma hora, o sargento deu por terminada a aula e o meu tio resolveu me examinar, me levando para a rua. Eu fiz todas as asneiras que tinha direito, sob uma chuva de desaforos e xingamentos, bem cavalerianos. Nunca mais voltei lá. Voltei para a Escola e fui para a minha artilharia hipomóvel.

Em meados de Agosto, o nosso capitão nos informou da probabilidade de desfilarmos no Rio, no dia sete de setembro , com uma bateria motorizada, com o canhão Schneider sobre um reboque, tracionado por uma viatura Dodge de ¾ Ton. Para isto seriam necessários motoristas e ele queria saber quais de nós tínhamos carteira. Só apareceram dois, o Azevedo e o Martins.

Não é possível, só dois? Então vamos ter que colocar cadetes de outras armas para dirigir.

Não, isto não, o nosso orgulho não permitia. Era uma desmoralização que não poderíamos suportar, e que o capitão compreendeu.

Então, ele baixou o nível da seleção. Bem, quem não tem carteira mas sabe dirigir? Apareceram mais uns dois, que não recordo. Ainda era muito pouco, e foi preciso baixar mais o nível. Quem sabe dirigir um pouquinho?

Bem, aí apareceram umas duas dezenas, era preciso salvar a artilharia do vexame que nos ameaçava. E eu, com a maior cara de pau, fui um deles.

Então, resolveram nos submeter a uma seleção, e a turma era tão ruim que eu, com uma hora de jipe, fui um dos selecionados.

E me botaram na tal Dodge, sem marchas sincronizadas, que a cada troca fora do tempo berrava mais do que um tigre furioso. Mas eu insistia e, por absoluta falta de coisa menos ruim, ia passando. Até que atrelaram o reboque com o canhão e assentaram os meus colegas na carrosseria, como bonecos segurando os fuzis. E entre arranhões estrepitosos e solavancos de todo jeito, lá ia eu dirigindo nos treinamentos.

Já não era mais o meu tio, eram os bonecos que me xingavam, mas eram xingamentos de artilharia. E eu não me ofendia, besta e burro eu já sabia que era desde o Maracanã. Ao todo, eu acho que não treinei mais do que duas horas.

Formou-se a equipe de motoristas para o desfile, e lá estava eu escalado motorista da segunda peça. Na minha frente só havia ficado o Martins. Glória, glória, glória. Eu já me considerava um motorista.

Mas veio o embarque para o Rio. O trem encostou o último vagão prancha em uma rampa. O Martinsinho pegou a Dodge dele, subiu a rampa e aterrisou na prancha, e lá se foi embora passando de prancha em prancha. Era a minha vez, e eu tremia mais do que vara verde. Meti a cara e acelerei.

Subi a rampa como um doido, e o trem sumiu, eu só via o céu. Quando dei por mim estava pousado sobre a prancha. Uma aterrissagem perfeita. Mas ainda tinha que levar o carro, de vagão em vagão, até à frente. Entre os vagões tinha que passar por tábuas. Eu apontava para elas sem muita certeza de estar correto e, a cada passagem, elas faziam barulhos que me assustavam. E fui, até que encostei o meu carro no do Martins. Que alívio, eu havia conseguido.

Os outros colegas me sucederam, certamente se borrando como eu. Mas todos conseguimos, acho que o meu medo era maior do que a dificuldade e a seleção havia sido correta. E viajamos para o Rio, para o Colégio Militar.

Eu não tenho muita certeza, mas acho que o nosso desembarque no Rio foi na estação de Lauro Muller, onde não havia rampa. Eram mil manobras para sair pelo lado da prancha. Mas todos conseguimos.

A parada propriamente dita foi o mais fácil, tudo em marcha reduzida, só cuidando da cobertura e do alinhamento das viaturas. Êxito total, nem me lembro do regresso.

Besta e burro eu podia continuar sendo, mas... voltei motorista. Motorista na marra.

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História 29 (Contada pelo Odin)

O ASSOBIO COIÓ

Numa das manobras eu estava escalado de Sgt Linha de Armões e, no cumprimento da missão, olhava com todo carinho pelos nossos amigos, cavalos e éguas, os famosos pecherras:- Lourinha, Amor, Flor, Monstro, Simborá, Pan, Periquito, Aporé, e outros mais, de saudosa memória.(*)

Dentro da missão, verificar se estavam bem amarrados à Corda Tronco, se estavam querendo água, forragem, etc e tal. Tínhamos que trata-los bem, pois deles dependíamos para levar nossos canhões às posições de bateria.

Na área, estavam instalados os banheiros, mais adiante as privadas. Sozinho estava o Sgt Linha de Armões, eu, quando adentra a área o nosso glorioso Instrutor Chefe, Major Lindolpho Ferraz Filho, de quem eu não gostava, e acho que a recíproca era verdadeira, se dirigindo para o banho.

Ele estava de cuecas, tamanco e a toalha enrolada ao pescoço. Confesso que achei ridícula aquela figura.

Até aí tudo bem. Acontece que de repente, não mais que de repente, ouve-se, partindo de não sei onde, um assobio coió.

Estremeci e pensei: Pronto, tô perdido.

Tentei, como em desenho animado, esconder-me atrás de uma árvore, só que ela não era suficiente para deixar-me coberto e abrigado das vistas do Major.

Pensei comigo, seja lá o que Deus quiser.

Felizmente a Fera fingiu que não ouviu e não olhou para trás.

Até hoje procuro saber quem foi o autor da "gracinha" mas em vão. O assobiador, de minha parte, está perdoado

 

 

 

* Nota do Editor: Não foi citado (sorte do Odin) o Catolé, aquele percherron tordilho, considerado o maior inimigo do pessoal. Ele arrancava o moirão em que estivesse amarrado e provocava, no palanque, a maior confusão entre os cavalos; despejava no chão a pesadíssima sela de tração colocada com muito esforço sobre seu dorso; mordia; dava tremendos coices com aquela sua ferradura, que era do tamanho de um prato. Tinha, contudo, uma virtude : era muito bom de tração.

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História 30 (Contada pelo Odin)

QUASE ASPIRANTE

Todos devem estar lembrados que havia a lenda de que as refeições do rancho eram preparadas com todo esmero mas, em realidade eram muito ruins. Não havia nomes sofisticados como Maitre d´hotel e garçom, (como o saudoso Cmt Cel Mário Travassos queria que nós tratássemos o chefe dos copeiros e os propriamente ditos), que fizessem o milagre da melhoria.

Se quente já era dose enfrentar a "gororoba", calculem enfrenta-la fria. E aconteceu comigo um triste episódio.

Devem estar lembrados que a prova final de Técnica de Tiro, no campo, terminou muito tarde, bem depois do rancho da tarde.

Na época também era proibido que efetuássemos refeições, fora da escola.

Após o banho, fardei-me com aquela túnica fechada, já me julgando um Aspirante e fui ao rancho. A comida estava ,alem de ruim, fria.

Como a fome estava grande, resolvi que iria jantar no restaurante que existia na Praça Oliveira Botelho.

Assim decidido rumei para o restaurante. Cheio de pose, possivelmente pose de Aspirante, abri a porta de vai e vem existente e entrei no salão.

Deparei-me com quatro "frangos". Dois de Artilharia(João Baptista Baêta de Farias-0 Príncipe , José de Sá Martins-Amigo do Príncipe, Hugo José Ligneul da Engenharia e o Ten Sá Pinho da Infantaria.

Como mandava o regulamento pedi permissão para entrar, o que me foi dado e sentei-me para o jantar.

Depois de ler o menu, e dizer ao garçon o que queria, ouvi um psiu. Era o meu "anjo protetor", para não dizer o contrário, Ten Baêta, que me chamava com o dedo indicador, o que era terrivelmente irritante.

Atendi ao chamado e pelo Ten Baêta fui interpelado se iria jantar no restaurante tendo respondido que sim. Disse-me ele

–Você não sabe que é proibido?

-Sei sim senhor, respondi.

Então bom apetite disse-me o Ten. Agradeci e fui sentar-me para poder jantar. O nosso querido Ten Sá Martins ainda mexeu comigo brincando e pensei ter se tratado de um trote que os quatro tenentes estavam dando no "quase aspirante".

No dia seguinte, estando atravessando o pátio, sou chamado pelo Cap Perdigão, nosso Cmt de Bia e querido amigo. Apresentou-me uma parte, dada pelo Ten Baêta relatando o ocorrido na noite anterior.

Perguntou-me o Cap:

-Isto é verdade?

Respondi:

–Se o Ten está dizendo, é.

O Capitão, amigo, disse-me:

–"olha não vou te punir, mas não faça mais isto" e rasgou a parte.

Não sei se o Ten Baêta soube da providência tomada pelo Capitão, mas o fato é que o "quase Aspirante" aprendeu que ainda faltava algo mais para a estrela de Aspirantado.

Até o dia de hoje não atinei o porquê do Ten Baêta gostar de ser tão antipatizado.

Anos mais tarde , servia no REsA, e fui comandando a bateria para um exercício da EsAO. Ajudávamos a todos os Capitães alunos, dando-lhes dicas de onde e como chegar ao problema, pois já conhecíamos todos os exercícios.

Nada como um dia após o outro. Coube a minha bateria ao Cap Baêta. Ele perguntou-me para onde vamos e eu fingindo não ter entendido disse-lhe:

- "dê as ordens capitão!

... e assim "vinguei-me" daquele jantar.

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História 31 (Contada pelo Odin)

O NOVO INSTRUTOR

Estávamos em pleno desenrolar da instrução, quando um novo tenente chegou. Como sempre, despertava a curiosidade dos cadetes para saber como seria o novo "frango".

A sua primeira apresentação, se não me engano, foi na instrução de tração. Estávamos em pleno campo de parada, fazendo exercícios de tração e eu estava com a parelha média de um dos tiros. Como não podia deixar de ser, estava com as mãos cheias de dedos e de rédeas e preocupado em bem conduzir minha parelha.

Em determinado momento, o nosso novo instrutor, galopa em direção à minha peça. O galope era aquele muito usado por médicos das unidades hipomóveis E lá veio ele, pocotó, pocotó, até encostar-se à minha parelha.

Pensei eu: Será que estou fazendo algo errado e o moço vai estrear em mim? Sim, tinha algo errado. Apontando para o meu peito, disse o novo instrutor: - "ABOTOA O BOLSO"

Surpreso fiquei e previ que seria dos mais chatos instrutores.

Juízo errado, pois era um grande instrutor, grande amigo, um senhor artilheiro e foi nada mais nada menos eleito o nosso paraninfo.

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História 32 (Contada pelo Ivan)

GURIA TRILEGAL

Semanas antes de inaugurarmos a nova Escola Militar, como tática de combate às DSTs expulsaram da cidade as meninas ditas de vida fácil. As do lado de cá do Paraíba suavizavam a dura lida dos trabalhadores ao longo da construção do enorme complexo. "Sanearam" o canteiro de obras, alardeavam.

Providência número dois, segundo voz geral: acalmar a disposição da turma, agregando fartas doses de antiafrodisíacos ao nosso cardápio.

Conversa. Em 44, contávamos mais de 600. Em 45, o curso completo, o dobro. A desmentir a crença, basta o cálculo do ingrediente bandido necessário para incapacitar tão numerosa clientela. Desencorajava, sim, o pensamento "naquilo" o ritmo frenético da instrução, mais o temível "carro de fogo", prova parcial eliminatória, ao qual se chegava sempre com notas homeopáticas. Em todo caso, amenizando, soltavam os potrilhos no Rio e em São Paulo a cada mês e meio, por três dias.

Pouco para alguns, mas quem sabe faz a hora. Inconformados, abriam os próprios e penosos caminhos, disputando favores de escassas e esquivas parceiras no pessoal de apoio. Para horário das incursões preferiam o da segunda (dos cadetes, a primeira) sessão do cinema escolar, lotada pelas famílias.

Ignoro a razão da desconfiança, morador do bairro residencial deixou a esposa e filhos vendo o filme do dia e deu uma "incerta". Denunciou-o barulho involuntário.

O Don Juan pulou a tempo o muro dos fundos. Mas esqueceu o largo cinto da túnica, com o número no verso.

Localizaram o dono, o Meleca, grossos óculos de CDF, de notória timidez, incapaz de tal afoiteza. Alguém usara indevidamente (intencionalmente?) o complemento do verde-oliva de passeio.

Tentaram identificar o romeu, exclusão já decretada. Em forma os suspeitos, pelotão de habituais freqüentadores da gafieira do Irênio, trouxeram a diva para o reconhecimento. Guria trilegal, titulariam no Bonfim. Nem ameaças nem promessas de recompensa surtiram efeito. O galã não participava do grupo, afirmou sem hesitações durante todo o face-a-face.

Salvou assim a carreira do sétimo a partir da direita, segunda fila. Ele jurara abstinência, se livre do enrosco. Cumpriu, contrariado. De quebra, os livros ganharam devotado escudeiro...

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História 33(Contada pelo Brigido)

O ADJUNTO

Aos que não conheceram a Escola Militar é necessário explicar quem era o cadete adjunto. Era um personagem da escala de serviço, de um serviço a que só concorriam os cadetes do último ano e, em que, por 24 horas, o cadete fazia às vezes de oficial de dia. Coisa aparentemente banal.

Mas não era, era um personagem importantíssimo, tão importante que nem fazia as refeições no refeitório dos cadetes, ele as fazia no refeitório privativo dos oficiais, juntamente com os tenentes. Ser adjunto era estar oficial por um dia, e ser oficial era tudo que almejávamos, a razão da nossa luta.

Todos, oficiais e cadetes, faziam questão de prestigiar o adjunto, e viver aquele serviço era como viver um dia de contos de fada.

Para os cadetes dos primeiro e segundo ano, o adjunto representava um sonho, para os do último uma imensa responsabilidade.

A primeira preocupação dos escalados para o serviço era com o uniforme, tinha que ser impecável. Túnica e culote tinham que ser recortados, muito limpos e ajustados ao corpo. Quem não os tinha precisava emprestar, e não havia colega que se negasse a colaborar. As botas tinham que reluzir, as de cromo alemão emprestadas costumavam repetir muitos serviços. As esporas tinham que brilhar e não podiam faltar.

É imaginável um adjunto de arma montada bater os calcanhares sem tilintar as esporas? Seria pecado mortal. Havia tanto capricho nas embalagens que até as mercadorias mais feias se faziam atraentes.

Quem não se lembra do cadete adjunto? Ele é parte integrante da nossa história. E ele é mais ainda, ele é para todos nós ... muita, mas muita... saudade.

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História 34(Contada pelo Brig ido)

UM DIA DE GLÓRIA

A vida de cadete não era nada fácil, nós éramos muito exigidos física e mentalmente, e precisávamos nos amparar mutuamente, o que estreitava e solidificava a nossa união, e nos igualava muito.

Todos éramos exigidos igualmente em tudo e ficávamos nos conhecendo muito bem. Alguns eram melhores em algumas coisas, outros em outras, e todas as coisas eram importantes, o que acabava valorizando uma espécie de média comportamental de vigor físico, vigor intelectual e habilidade pessoal. Qualquer êxito, qualquer destaque, ainda que ocasional, era motivo de orgulho. Não bastava ser bom aluno, tirar bons graus, precisava subir na corda, atravessar o pórtico, ser bom corredor, coisas assim. Então, qualquer sucesso, por mais tolo que possa parecer, era motivo de glória.

Um dia o glorioso era o cara que tirou o maior grau na prova de Descritiva, grau nove, naturalmente, porque o nove e meio era do professor e o dez do Papai do Céu. Outro dia era o do primeiro a chegar no "cross", outro era o do tronqueiro que segurou um disparo, outro era o do gordinho que subiu na corda sem o auxílio das pernas, e assim por diante.

Uma vez eu tive o meu. Fomos para uma instrução no Departamento de Equitação. O meu instrutor, capitão Oly, chamou cada um de nós pelo número e designou o nome do cavalo. Tínhamos que apanhar o arreamento na reserva e encilhar o cavalo. Depois, a instrução se desenvolvia no picadeiro. Para mim, cadete 17, ele designou o Briguete.

E lá fomos, Brigido e Briguete, para o picadeiro. Até hoje eu não sei se ele quis me sacanear com a semelhança dos nomes. Mas, se ele não quis, o cavalo quis.

Aquecemos os animais com trotes e galopes, e ele mandou armar dois obstáculos para saltarmos. Depois que eu saltei o segundo obstáculo, não sei que bicho mordeu o cavalo, mas ele saiu corcoveando como cavalo de rodeio. Não sei quantos corcovos deu, mas em todos eu consegui voltar à terra junto com ele e a sela, e acima de ambos.

E ele acabou desistindo de me apear a força. Eu suspirei aliviado, a instrução continuou e eu dei uma de cowboy vitorioso. Já saí da instrução respeitado pelos colegas.

Mas o meu dia de glória ainda viria, acho que por causa do ocorrido, por recomendação do Briguete.

Na instrução seguinte, o capitão foi novamente chamando os cadetes e designando os cavalos, até que me chamou:

- cadete 17.

Eu me apresentei e ele disse:

- Você não! Você vai montar a minha égua.

Eu não acreditei, era muita merenda pro meu recreio. Eu montar a égua do capitão?

Todos ficaram perplexos, e eu parei ao lado do capitão, com um sorriso de superioridade de rei, enquanto ele ia distribuindo os cavalos para os outros, para a plebe.

Mas tinha mais. E muito mais. O ordenança dele me trouxe a égua já encilhada, com uma sela especial para que eu montasse, enquanto a plebe carregava selas para encilhar os seu cavalos. Sabe o que é isto para um cadete? Eu já não era um grande ginete, eu estava mesmo rei, tinha majestade e ordenança.

E fui para a testa da turma no picadeiro, onde fiz toda a instrução. Foi meu dia de glória. Após a instrução, ele mandou aumentar a altura de alguns obstáculos para que eu saltasse, e depois me dispensou.

Eu nunca soube por que o fez, mas me glorificou naquele dia.

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História 35 (Contada pelo Ivan)

COLISÃO AO TELEFONE

O período vivido na nova Escola Militar foi para a Turma de 46 grata experiência, até hoje saboreada com prazer. Não na forma da fruta colhida aos 18 anos, mas de vinho cujo paladar melhora com o passar das estações. É só juntar uns poucos ex-cadetes da época e a conversa cair em coisas das Agulhas Negras. Em poucos anos os atuais tenentes terão vez, também.

A cada cinco anos, em nossas reuniões de saudade, as lembranças voltam, apelidos, marchas, os "micos" pagos e, se o tom ficar mais sério, o comportamento cívico e ético (acredito que o mesmo continua) aprendido ou desenvolvido durante o curso. A melancolia fica à conta de reumatismos ou safenas. É a marcha do tempo...

Foi um privilégio fundar Resende em 44, funcionando apenas o 1º ano. Instrução dura, o Brasil em guerra com o Eixo, a FEB em campanha na Itália, nosso destino se o conflito continuasse. Pioneiros, tínhamos reduzidas opções de lazer. Cinema, só mais tarde. Quando prontas as piscinas, já servíamos nas diversas guarnições deste querido Brasil. Aproveitávamos instantes de descontração proporcionados pela rotina. Usávamos muito a rede telefônica interna (grande novidade à época) para irreverentes brincadeiras com os oficiais. Éramos moços, saudáveis e felizes, sonhando, todos, um futuro brilhante.

No princípio de 45, o comando passou a ser de general. O efetivo foi completado com os cursos das armas, motivo de grande afluxo de instrutores ou professores. Uma vez a cada quinzena, apresentação dos recém-chegados aos demais, ficando conhecidos a partir da cerimônia. Independente disso, o mais "folgado", termo tradicional, logo entrava de serviço, como é praxe.

Aconteceu: o major Adhemar Pavão Martins, chefe do Departamento de Educação Física, precisou transmitir um recado ao oficial de dia. Chamando-o ao telefone, identificou-se:

-"Aqui é o major Pavão. E aí?"

-"Tenente Passarinho, às ordens!"

O major pisou nas tamancas, certo de um trote, mas, ao facultar aparte, ouviu:

-"Não é deboche, major. Sou o primeiro-tenente Jarbas Gonçalves Passarinho. Cheguei ontem e fui escalado para hoje. Terei prazer em atendê-lo".

O fato entrou para o folclore da Escola. Consta, o sobrenome do futuro senador e ministro iria permitir freqüentes brincadeiras, anos a fio, em outros locais e ocasiões. Educado, ele, desde jovem oficial, sempre as aceitou com gentil bom humor.

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História 36 (Contada pelo Brigido)

OS REPS

Em toda e qualquer escola sempre existiram as provas, os exames, as aprovações e as reprovações. As Escolas Militares nunca foram diferentes, e sempre existiram os repetentes de ano que, no linguajar dos cadetes, eram conhecidos como "os Reps".

Quando eu ingressei , em início de 1943, na Escola Militar de Realengo, encontrei menos de duas dúzias de Reps que iriam refazer o primeiro ano com os novatos. Constituíam uma sobra de uma turma, de cerca de trezentos, promovida ao segundo ano. Uma sobra inferior a 10%, uma sobra normal.

Para inaugurar a Escola Militar de Resende, entretanto, foi mandada uma turma de cerca de 120 Reps, sobra de uma turma inferior a 400 cadetes, ou seja, uma sobra de 30%, muito acima do normal.

A esses Reps se incorporaram os novatos para formar uma turma de cerca de 600 cadetes. Tudo indica que houve uma ação dirigida, com propósito determinado, para formar uma sobra tão grande, o que era fácil de conseguir, por simples acréscimo de pimenta no tempero dos exames finais obrigatórios. Eu fiz parte dessa sobra, e no meu exame final de Descritiva, em Realengo, aconteceram coisas estranhas que me fizeram sentir que "havia jabá embaixo do angu que me serviram". Juro que não é choro, deixa pra lá, doeu mas já passou.

Os Reps eram necessários para enquadrar os novatos, levar para Resende o espírito escolar, diferenciado e especial da Escola Militar, já que os 1º e 2º anos permaneceriam em Realengo. E cumpriram a sua missão.

Repetir ano, em qualquer escola, é sempre muito doloroso. Porem, repetir ano, sendo afastado do convívio dos amigos, afastado da família, separado da namorada, retirado da cidade maravilhosa para uma distante cidade de interior, já não era só a dor do fracasso, tinha o sabor de castigo, de castigo cruel, de exílio. Os novatos foram para Resende embalados pelo sucesso do ingresso alcançado, para um vôo sonhado, e qualquer sacrifício era compensador, mas os Reps foram à força, para amargar a derrota, como aves feridas a tentar outro vôo. Não foi fácil.

Felizmente, a Escola nos abraçou a todos e, aos poucos, foi nos fazendo todos iguais, as feridas foram se cicatrizando. Mas aquele grupo de Reps foi de grande importância para a instalação da Escola e para a formação da turma. Merecem ser lembrados, mesmo exaltados.

Eu senti na carne o que todos os Reps sentiram e, por isto, me considero em condições de traduzir esses sentimentos. Ouso fazê-lo resumidamente, embalado por emoções, em modestos versos:

Oh! Querida Escola Militar de Resende

O quão perdido me senti em te acessar o berço

Oferecido à sombra do imponente monte

Por desgarrado do berço que distante

Da minha vida sempre fora a minha fonte

Encantamento em mármores, em ti senti frieza.

Na débil luz em que anoitecias

Eu me cobria de um manto de tristeza

E as minhas lágrimas brotavam e tu não vias

Mas foste aos poucos de mim te aproximando

Me acalentando, fazendo confiar

As minhas lágrimas se foram enxugando

Com outras aves eu tinha que voar

E foste tu com firmeza que me alaste

No plantio de ensinos que não somem

Nas tarefas do melhor que tu julgaste

Me levando do menino fazer homem.

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História 37 (Contada pelo Creusmar)

TÁTICA ESTRANHA

Numa marcha de aproximação, enquanto a infantaria avança, buscando a qualquer momento, contato com o inimigo, a artilharia de campanha a acompanha a uma distancia conveniente, mantendo sempre uma bateria em posição de tiro, pronta para entrar em ação imediatamente, se necessário, enquanto a outra bateria se desloca. As bateiras vão se revezando periodicamente nessas funções, enquanto a marcha geral da divisão prossegue.

Assim fazíamos no inicio de uma das manobras em Resende, procurando-se reproduzir, da forma mais real possível, uma situação de guerra no campo.

Ocorre que havia nessa época, uma certa disputa de eficiência entre a artilharia e a infantaria, muito incentivada principalmente pelo Comandante da arma a pé (Cap. Assis), o qual declarou, segundo se dizia, que iria passar com sua tropa por lugares em que a artilharia não conseguiria passar.

Realmente para eles esta situação não seria muito difícil de ocorrer, considerando-se a época do ano, em que havia muitas chuvas, os terrenos barrentos e acidentados muito comuns por ali. Considere-se que nosso material era muito pesado ( canhões e munição) e a tração era animal (artilharia montada).

Para nós artilheiros, configurou-se pois um grande desafio. Nossos brios foram colocados à prova.

Foi mesmo uma guerra real contra a natureza hostil, em que muitos de nós tiveram de muitas vezes se sobrepor às próprias forças e ao cansaço, para não ceder ao desafio. Algumas regiões inundadas foram transpostas levando-se individualmente cada cavalo amedrontado e as viaturas, armões separados dos retro-trens, uma a uma a braços, sobre pedras, barro e água a valer.

Nessa tremenda luta, alimentada pela rivalidade, o esforço movido a entusiasmo foi tanto, que quando vimos, estávamos ultrapassando tropas de nossa infantaria.

Era o absurdo tático que estava ocorrendo, mas saudamos os infantes com "hip hurrahs", como que dizendo-lhes, a título de gozação:

- Vocês são moles, hein!

 

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História 38 (Contada pelo Ivan)

TEORIA ECONÔMICA

Companheirismo, solidariedade ativa, fraternidade, foram noções aprendidas ou consolidadas na Escola Militar, ao lado da ênfase dada ao esforço pessoal, explicitado basicamente na classificação no rol da Turma.

Equilibrar individual e coletivo é, sem dúvida, ideal de quem deseja ver a humanidade livre de selvagem egoísmo, mas a quer também enriquecida pela diversidade de contribuições, permitidas pelas características próprias dos seres, um por um.

Ao longo do curso fomos aprendendo, não só matérias profissionais, como recebendo ensinamentos de utilidade em outras situações. Por exemplo, prosaica lição convenceu-me das vantagens de se gastar menos do que se recebe. Vejamos.

Meu xará, ou tocaio, como dizem aqui no Rio Grande do Sul, Capitão Ivan Vieira Perdigão, ficou assustado com o excessivo, segundo ele, consumo de papel higiênico na Bateria. Resolveu a questão, distribuindo, às segundas feiras, a cada artilheiro, dois rolos do material.

A crer na honestidade dos fabricantes, 80 metros de folhas picotadas, mais de 10 metros por dia. Para os devidos e honrosos fins, é muito papel, gente!

Apesar disso, lá pela quinta ou sexta feira, havia quem propusesse empréstimo, troca por cigarros, ou mesmo pagar em dinheiro por um suprimento extra. Quem detinha estoque supérfluo podia reforçar os simbólicos vencimentos escolares, à custa de imprevidentes ou pródigos. Sem jogo de palavras, inaplicável na espécie, o princípio de a cada um, segundo suas "necessidades".

O negócio, palavra correta a aplicar-se ao exemplo, tinha limites bastante estritos, é claro. Explica, entretanto, um dos modos de formação daquilo que os economistas chamam de capital.

Tomando como ponto inicial a medida do nosso comandante, a economia do material de higiene, por extrapolações sucessivas, ensinou-me um pouco de Economia.

A acaciana verdade é que a receita deve superar a despesa, o que nem sempre acontece e, seguidamente, não por nossa culpa.

Quando lecionei, reservava uma aula para discutir com os alunos a "Teoria do Papel Higiênico", com a qual tomei contato nos idos de 45...

 

 

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História 39 (Contada pelo Ivan)

UM PEIXE FISGADO

Por ter o mesmo nome de batismo, havia quem dissesse que eu era "peixe" do nosso comandante de Bateria, o Cap Ivan Vieira Perdigão. Pelo que me consta, a única vez em que ele registrou a identidade do prenome foi para justificar uma "dureza".

No terceiro ano, todos nós começamos a providenciar os uniformes de oficial, os de instrução, pela maioria mandados confeccionar na Intendência e o cinza mais a túnica branca nos tradicionais alfaiates do Rio, como o Morais Alves, que instalaram filiais em Resende. Registro como curiosidade, fiz exatamente o contrário, queria corte "traquejado" para uso diário (acho até que acertei, mas não vem ao caso). O Comandante do CC permitiu a dispensa de 10% de cada curso, por fim de semana, com a finalidade de fazer prova das confecções. No caso especial da Engenharia (22 cadetes) o limite era um pouco maior. Nas outras Armas, acontecia o seguinte: a Infantaria dispensava 10% oficialmente, mas fechava os olhos para quem excedia à quota; a Cavalaria nem se preocupava com o percentual, licenciava quem pedia; a Artilharia, adivinhem... Rigorosamente, apenas SETE dos 77.

Quando me chamaram da Intendência, o Cap.Perdigão negou-me o passe, já havia expedido sete. Argumentei que 10% de 77 resultava em 7,7 e que os 0,7, conforme ensinava a Matemática, devia ser aproximado para 1,0 e, em tal caso, ele não estaria contrariando o Cel Denys. Nada feito. Apelei para o fato de jamais ter dado uma escapadinha como, era público e notório, muitos faziam, embora eu não fosse dedar ninguém e que não ia passear, apenas tinha medo de perder a vez, até porque minha encomenda era dos uniformes necessários à Declaração de Aspirantes. Não consegui comovê-lo, nem demovê-lo. Apesar disso, viajei.

Domingo à noite, o trem de carreira estava cheio de cadetes, com e sem licença, inclusive dos 1º e 2º anos. A Escola fora ao Rio jogar basquete contra a Faculdade de Direito, a delegação chefiada pelo Cap Cav Hudson Soares de Souza. Discretamente, escolhi um vagão longe dos atletas. No dito, só eu e o Estélio, por sinal também sem a tal licença. De repente, aparece o Daemon, que recebera ordem do Cap Hudson para relacionar quem não se apresentara a ele, de acordo com o R-2, o Regulamento de Continências. Pedi ao Daemon para não anotar o meu nome, nem do Estélio, pois tinha certeza de que a parte não daria em nada, mas na Artilharia a bomba estouraria por outros motivos. A ponderação do Daemon foi correta: "- Mas se punirem por causa do Hudson?" Tem razão, não posso fugir da responsabilidade.

Dito e feito. Fisgaram das dezenas de números anotados o meu, de ninguém mais de uma relação de 50 ou 60. Fui punido com 8 dias de prisão, o máximo que o Cmt de Bateria podia aplicar, mas agravado estranhamente para 20 pelo Cmt do CC. O Estélio, grande colega, queria apresentar-se. Não deixei. Não era questão de honra e eu havia desobedecido frontalmente meu comandante imediato. E as circunstâncias não haviam ajudado, paciência. Mas ficou evidente para mim que o Cap. Perdigão tomara como ofensa pessoal do xará a afronta e pedira para aumentar a pena. Nosso querido paraninfo Sá Martins, se tiver memória para fatos como esse, pode ser que se lembre de alguma outra razão para o agravamento e não me deixe ser injusto com o já falecido "tocaio".

Quase aspirante, recolhi-me ao Estado Maior. O pior é que, como o mais antigo, fiquei responsável pelo grupo de presos, como sargento de dia, diria o Vinícius de Morais, eternamente enquanto durou a punição, aplicada por Ivan a Ivan...

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História 40 (Contada pelo Creusmar)

OS BICHOS

Como em qualquer escola, na Escola Militar os calouros sempre sofriam os trotes dados pelos veteranos. Lá havia, contudo, algumas particularidades. A situação hierárquica existente entre veteranos e calouros, por se tratar de uma organização militar, era uma delas.

Essa subordinação não só levava o "bicho" (calouro) a se colocar numa posição muito desvantajosa em relação àquele que lhe aplicaria o trote, como também, em contrapartida, obrigava o veterano ao respeito à integridade e à proteção devidos pelo superior aos seus subordinados.

Em conseqüência, os trotes lá, via de regra, não eram fisicamente ofensivos aos bichos, como ocorre em outras escolas. Eram sim, espetáculos cômicos bastante interessantes, principalmente aqueles trotes coletivos, aplicados a um grande número de bichos que não conseguiam fugir para a Cavalaria, onde não davam trote.

Na Artilharia havia espetáculos variados. Enquanto em cima dos armários, alguns bichos faziam o papel de ventiladores oscilantes, soprando continuamente para um lado e para o outro, ao longo da ala por vezes desfilavam carretas representadas por caixas de papelão, através de barbantes, tiradas por seis bichos engatinhando de quatro, como cavalos de tração.

Aqui e ali, algum bicho discursava sobre o tema da influência das fases da lua na fabricação do cachimbo de barro.

Na entrada da ala, grande quantidade de botinas, pois claro que nenhum bicho lá poderia entrar senão descalço. Alguém depois chegava ali e misturava todas as botinas.

... E como na Artilharia tudo acabava em banho, no final sempre havia muita água.

O bicho tinha de aprender uma nova nomenclatura das partes de seu corpo, pois que ele não tinha mãos e sim pés na extremidade dos braços, enquanto que no chão assentava as patas.

O Motezuma foi um famoso campeão em promover trotes coletivos, que muitas vezes se constituíam em grandes balés, com coreografias e sonografia que marcaram época.

A foto seguinte mostra o Montezuma no meio de seus bichos na hora de grande banho.

 

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História 41 (Contada pelo Creusmar)

ALGUNS INSTRUTORES

Este é um anúncio de Aviário que poderia ser feito na década de 40:

GRANJA CAMPOS ELÍSEOS

Frangos de várias raças.

Muitos até têm nome, como, por exemplo:

POUCA ROUPA

GLOSTORA

CHICO PRETO

PINDUCA

GAFANHOTO

BAIANINHO

FANTASMA DO 4° PISO

BICANCA

BONZINHO

P.O.

PRÍNCIPE IPERITA

 

Naquele tempo era muito comum darmos apelidos aos instrutores que chegavam à Escola, de acordo com as novidades da época. Gente moça é assim mesmo.

É preciso também que se diga que muito daquilo que seríamos no futuro, devemos a vários instrutores dessa época que, durante todo o curso, moldaram nossas mentes numa conformação de noção do dever, de civismo, de companheirismo, de honestidade, virtudes hoje não tão cultivadas quanto então.

Agradecemos muito àqueles que nos ensinaram a ser como somos, capazes até de qualquer sacrifício pelo nosso Brasil.

Alguns deles, ainda mesmo naquela época, nós procuramos homenagear, ostensivamente, como foi o caso de nosso Capitão da Bateria HERMANN BERGQVIST que nos orientou como um pai faz com seus filhos, em momentos difíceis que lá passamos.

Outro nós distingüimos com o título de Paraninfo, por sua permanente colocação numa posição de confiança recíproca entre instrutor e cadetes. Numa demonstração patente dessa confiança, o TEN. SÁ MARTINS certa vez distribuiu-nos uma prova para que a fizéssemos em qualquer hora, no alojamento, para devolução no dia seguinte.

A prova foi feita individualmente, com completa lisura. Todos nós, uns a poucos metros dos outros, ninguém colou, ninguém perguntou nada a outro.

Confesso que eu mesmo, e creio que outros também o fizeram, apenas fiz uma pequena gozação com o instrutor, arremedando com ênfase poética exagerada uma expressão que ele usara na instrução, e disse:

...e se reflete, como se onda fora de luminosa fonte...

Isto não prejudicou minha nota.

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História 42 (Contada pelo Brigido)

AS RIFAS

Eu nunca gostei de rifas, até pelo cacófato em dizê-lo, principalmente, porque nunca tive sorte em jogo. Elas não eram comuns na Escola Militar, até mesmo raras, não combinavam muito com o nosso ambiente. Mas, eu ganhei uma e nunca mais esqueci.

E não foi pelo prêmio, um livro vagabundo que eu nunca li, e sim pela originalidade do sorteio, a forma especial que transformava o sorteio em uma grande brincadeira. A capacidade inventiva dos cadetes de formalizar brincadeiras não tinha limites. As nossas histórias, de alguma forma, o comprovam. E cada rifa era uma farra.

Um cadete resolvia rifar um objeto. Fazia uma lista de uns tantos números e os saía vendendo. Vendidos todos, ele marcava uma data e local para o sorteio. Os interessados compareciam, e ele trazia um capacete cheio de papelotes numerados. O vencedor não era o primeiro sorteado, mas o último, o que prolongava o sorteio, estimulava as torcidas e promovia as brincadeiras. Cada número que saía do capacete o apostador era riscado da lista. E o grupo em coro gritava:

- Riiiscaa!

A quantidade de papelotes ia diminuindo e a torcida ia ficando mais sensacional entre os remanescentes. E o último era o grande ganhador.

Cada sorteio era uma festa que, geralmente, valia bem mais do que o premio. E o ganhador ainda virava motivo de gozação por ser o mais azarado. Levava o prêmio e ganhava o título.

Ah! Querida Escola. Quanta saudade. E eu que tanto queria te ver pelas costas.

História 43 (Contada pelo Odin)

TROTE NA ESCOLA MILITAR DE RESENDE

Em busca do congraçamento entre os veteranos e os novos alunos que só se tornariam cadetes após recebimento do ESPADIM DE CAXIAS, havia a tradição do trote.

Neste mister havia duas correntes, a saber:- Na Artilharia o trote sempre haveria, nas outras armas era indiferente e na Cavalaria o "bicho" que queria fugir do trote, lá se escondia.

O nosso primeiro ano foi diferente. Ainda não havia arma, todos nós éramos cadetes do primeiro ano. Pior ainda, os veteranos tinham sido colegas nossos das Escolas Preparatórias, e lá estavam porque eram REPs.

A ida para Resende era feita no trem Maria Fumaça e na nossa ida reuniram os Sgt, aqueles alunos das Preparatórias que não haviam conseguido média seis, na Escola Preparatória e haviam sido reprovados no Exame de Admissão à Escola Militar, ainda como alunos. Para pagar a despesa que o Exército teve com o aluno, o mesmo teria que ficar um ano como Sgt, e eu fui um deles.

No trem que eu fui, que eu me lembro fomos Paiva Chaves (Tu 47), Joel "Macaco" (Tu 47) e a figura principal do que vou contar , Rodolfo Bitencourt. Era uma figura interessantíssima. Devia ter mais de 1,80m. Era um gordo forte e metido a saber as artes da malandragem.

Durante a viagem, de uma maneira geral, todos se conheciam e a conversa girava pela expectativa de como seriamos recebidos pelos antigos companheiros das Preparatórias. Conversa vai, conversa vem, o Bitanca, como era conhecido o Bitencourt, declarou que não tomaria trote. Se quisessem dar trote nele, ele daria uma "pernada" num uma "bolacha noutro" e por aí foi ele. Vários Sgt, inclusive eu, decidimos que se ele não fosse levar trote, nós também não levaríamos. Ficamos combinados assim.

Fui designado para a 1a Cia, e cheio de pose, como Sgt de Art, dirigi-me para a ala. Bota, espora e mala na mão, subo as escadas da ala, e fui recebido por um veterano (não terminou o curso e tinha vindo da EP de São Paulo) que, aos gritos, deu-me um empurrão e me disse "Tira a bota bicho".

Conforme havia sido combinado, reagi, e houve a separação dos dois litigantes, o bicho e o veterano. Passei então a ouvir "Bicho Macho", "Bicho Macho". Começou meu sofrimento e pensei comigo, já sei que vou ter que brigar muito para manter o combinado.

Entrei em forma para receber o uniforme diário. De repente escuto "Aquilo ali que é o bicho macho"? Olhei e vi que era um cadete do meu tamanho, com uma varinha na mão, o gorro caído sobre o nariz e um riso debochado nos lábios.

Raciocinei e pensei, este "neguinho" eu dou conta, mas os outros dois que estavam do lado dele eram de dar medo. Um era o Ramos, cujo apelido era Lotar, aquele mulato do Mandrake e o outro era meu querido amigo Fritz, cujo braço era da grossura da minha coxa. Pensei, estou perdido, mas o "neguinho" eu janto e seja lá o que Deus quiser.

Qual não foi minha surpresa e alegria quando ouvi alguém correndo no pátio e gritando "Eu sou uma borboleta" e balançava os braços como se estivesse voando. E quem era ele? Nada mais nada menos que o Bitanca. Acabava o nosso compromisso mas nem por isto deixei de levar muito trote, pois aquele "neguinho" que eu achava que podia jantar, era nada mais nada menos que o ‘NEGO MONTEZUMA", o Rei do Trote. No ano seguinte, já Artilheiro, mantive a tradição. Dei muito trote , mas contarei aqueles que julgo engraçados em outra história.

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História 44 (Contada pelo Brigido)

NOSSOS ANIMAIS

Esta é uma história em aberto, para que cada colega nela inscreva o seu episódio, já que não houve um que não vivesse o seu particular.

É a história dedicada aos nossos companheiros animais, quadrúpedes, eqüinos, que conosco compunham as antigas e românticas artilharias hipomóvel e de dorso. A importância deles era vital para a artilharia, tão grande que mereciam de nós um tratamento prioritário, privilegiado, até reverenciado, que todos compreendíamos e não lhes negávamos.

Os cavalos puxavam as nossas carretas da artilharia montada e da artilharia a cavalo, e os muares carregavam os fardos em que se dividia o canhão Schneider da artilharia de dorso, uma artilharia de emprego em regiões montanhosas.

Nós precisávamos saber encilhar, montar, conduzir as parelhas de tração e puxar os burros pelo queixo. Quando nos exercícios de campo, ainda, os alimentávamos e lhes satisfazíamos a sede.

Os nossos cavalos artilheiros não eram cavalos quaisquer, precisavam ter raça, e tinham, ser fortes, e eram. Não eram como aqueles cavalos da cavalaria, que por vezes nos recebiam no Departamento de Equitação, elegantes, saltitantes, leves e frágeis; bonitinhos, enfeites de vitrine. Uns Mauricinhos, no dizer de hoje. Legítimos ou mestiços, os nossos eram das raças Bretão e Percheron, uns brutamontes, enormes, fortes e de cara feia, esforçados, denodados; tinham o espírito do artilheiro.

Como era bonito assisti-los vencer uma subida forte, em estrada de barro, ou através campo, puxando o pesado canhão. Apertávamos e batíamos as pernas e, aos gritos de vamos, vamos, os lançávamos contra o peitoral a esticar os tirantes, e eles se jogavam para a frente, resfolegavam, patinavam na lama, escorregando, abaixando e levantando sem poder parar, até vencer a ladeira. E, depois de vencido o obstáculo, todos nos regozijávamos, parecia que riam conosco, orgulhosos da vitória alcançada. Nas descidas, todo cuidado era pouco porque o entusiasmo das parelhas da frente poderia levar a disparos perigosíssimos. Era a hora da parelha tronco, o par dos cavalos mais fortes, imperar, impor a sua força e o respeito, segurando a viatura. Algumas vezes quase chegavam a se assentar no chão, enquanto a lança do armão subia e ficava a balançar entre as suas cabeças. E o condutor tronqueiro gritava preocupado: Segura! Segura aí na frente, não deixa puxar!

A tração era um espetáculo, como nos irmanávamos, cavalos e cavaleiros, naquela faina comum.

Como em toda coletividade há de tudo, na nossa coletividade eqüina também havia. Havia os de bom e os de mau caráter, os trabalhadores e os preguiçosos, os de bom e os de mau humor, e cada um com a sua mania. E a nossa lida com eles não era fácil, de quando em vez nos pregavam peças. Os disparos eram terríveis, assisti muitos, mas, felizmente, nunca vivi nenhum. Só quem o viveu pode falar das sensações.

Não há colega da nossa turma que não se lembre do Trotil, um tremendo mau caráter. Todos fugíamos de montá-lo, era sarna certa pra coçar. Certa vez, disparou com o Sanford, entrou pelo pátio principal e foi pelo rancho adentro. Estava tudo já arrumado para o almoço e foi um estrago geral.

Outra vez, o vi disparar com o Castro Neves e ir de encontro a uma das portas de aço do parque, caindo os dois em uma estrondosa trombada. A Diva e a Dora era uma parelha de éguas muito boas e bonitas, mas eram muito coiceiras. Uma vez tomei um coice de uma delas, por sorte não me machucou muito.

Outra vez, no campo, disparei com o Veloz, e só consegui pará-lo jogando sobre uma turma que se deslocava ao trote. Derrubei três ou quatro cavaleiros e levei uma esculhambação geral. Mas, o meu predileto era o Catolé, um belíssimo tordilho, para mim o cavalo mais bonito que nós tínhamos. Grande, forte e muito trabalhador, um cavalo tronco de mão cheia. Eu gostava muito de trabalhar com ele. Mas, também, tinha a sua mania. Não permitia que alguém entrasse na sua baia pelas suas costas, era coice certo. Não sei se era cuidado ou complexo, mas, também, não aceitava afagos na garupa.

Finalmente, havia os muares, os burros, a turma do canhão Schneider. Cada instrução com eles era um show, nem vou falar, vou deixar que algum colega se encarregue disto.

Não creio que alguém se recorde do nome de algum, acho que os cretinos nem tinham nomes. Penso até que não eram do efetivo da artilharia, que vinham da infantaria. Nenhum colaborava, todos reagiam, não tinham espírito de artilheiro. Vinham escalados à força e era à força que tínhamos que encilhá-los. Era cachimbo no focinho, levanta patas, segura pelas orelhas, uma tremenda luta, num bolo de cadetes com um burro no meio. E depois do fardo colocado, quando soltávamos o bicho só com o condutor, era um Deus nos acuda, que o conte uma das vítimas.

Eu não vou falar deles para evitar que algum engraçadinho me acuse de falta de amor fraterno.

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História 45 (Contada pelo Brigido)

ACIDENTE E GOZAÇÃO.

Na guerra eram muito comuns as armadilhas que faziam acionar minas e cargas de dinamite de alto poder destrutivo, e nós precisávamos saber disto.

A armadilha podia estar em uma porta ou janela de uma casa abandonada, em um quadro de parede fora de prumo, em um objeto caído no chão, em uma cadeira fora do lugar, em um arame atravessado no escuro, enfim, em mil lugares diferentes dos lugarejos ocupados.

Os tenentes Passarinho e Guimarães nos iam ensinar isso, e acharam que a melhor forma de não esquecermos era montar algumas armadilhas para que caíssemos nelas. Vocês se lembram?

Pois é, antes da nossa chegada à sala, montaram diversas armadilhas na sala de aula, naturalmente, sem os explosivos, apenas representadas por pequenas espoletas de fulminato de mercúrio para nos assustar com os seus estampidos.

Eu não sei bem o que arrumaram, talvez algum deles possa explicar melhor, mas o que soube é que acabaram se descuidando e se machucando com as espoletas. E foram os dois parar no Hospital. Felizmente, não sofreram nada de grave, e eu fui um dos cadetes que foram visitá-los. O Guimarães era meu amigo já desde muito antes de ser meu instrutor.

Porem, ao chegarmos à sala e sabermos da ocorrência a gozação foi inevitável, geral. Eles próprios, os dois frangos, tinham caído numa armadilha que haviam preparado para nós, foi logo o que os cadetes concluíram.

Isto para nós era um prato cheio. Se gozar um colega já era gostoso, imagina gozar dois frangos.

O feitiço havia virado contra os feiticeiros

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História 46 (Contada pelo Brigido)

FOTOS DO GLOSTORA

Em 1944 nós estávamos no 1º ano, carregando aquele fardo do ano base, em uma Escola ainda em organização. Ainda havia muitas deficiências, e uma delas era a falta de instrutores.

Éramos distribuídos por três Companhias. A minha era a primeira, comandada pelo recém-chegado capitão Resende, e com dois instrutores para cinco pelotões, o Julio Cezar e o Niso. Por causa disto, durante bom tempo, eu, como rep de uma matéria, fui usado como chefe de turma e monitor, e ministrei muitas instruções de prática para os meus colegas.

O meu capitão só usava o uniforme de passeio completo, conhecido como o de trânsito. Diziam que as suas malas haviam sido extraviadas na viagem para Resende. Isto lhe valeu logo o apelido de "Pouca Roupa", que carregou até o fim dos seus dias. A 3ª Companhia já tinha o seu comandante, o ainda 1º Tenente Assis, egresso de Realengo. Mas o comandante da 2ª Companhia não aparecia.

Enquanto isto, as rádios anunciavam em altos brados: Chegou! Chegou Glostora! Um preparado para fixar os cabelos.

Um dia apareceu o capitão Duarte, o comandante da 2ª Companhia. Entre os cadetes correu logo a notícia, ele chegou. Chegou quem? Ora, chegou Glostora. Ele ficou como o capitão Glostora, também, até o fim da vida. E hoje dizemos que o "Pouca Roupa", o "Glostora" e o Assis, foram os nossos três comandantes de Companhia no 1º ano.

Eu não era da 2ª Companhia, e não conheço muito os detalhes, mas o caso que vou relatar correu amplamente no noticiário escolar.

Houve um exercício qualquer da 2ª Companhia e foram tiradas muitas fotografias. Muitos cadetes se interessaram por cópias diferentes, e o capitão resolveu se encarregar de providenciá-las. Numerou cada foto e as expôs em um quadro grande de avisos, de uma espécie de papelão grosso, que chamávamos de "celotex". E mandou que cada cadete fizesse o seu pedido indicando o número da foto de seu interesse, e a quantidade de cópias pretendidas. Até aí tudo bem.

No dia seguinte, ao chegar à Companhia, o capitão percebeu que algumas fotos haviam desaparecido. Ficou, naturalmente, indignado. Reuniu a Companhia, repreendeu severamente e exigiu a recolocação das fotos até a manhã do dia seguinte, sob pena de deixar todos detidos no fim de semana. Ele achava que os colegas poderiam pressionar o responsável e assim resolveria o problema.

Mas, qual foi a surpresa do Glostora? No dia seguinte, ao invés das fotos recolocadas, o quadro inteiro, com todas as fotos e avisos havia desaparecido. E ninguém sabia do seu destino. Diziam que, de algum aparelho do circuito interno, o atrevido lhe telefonava debochando. Alô! Glostora, achou o quadro?

Sinceramente, não sei como terminou o caso. Soube que o quadro foi achado no 4º andar, que ainda não estava habitado. Ainda, que ninguém sabia mesmo quem era o autor da façanha, e que, por avaliação da capacidade de atrevimento, a desconfiança recaiu sobre o Castelo Branco.

Talvez, algum colega que tenha pertencido à 2ª Companhia possa completar melhor a minha história. Passo a palavra a algum deles.

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História 47(Contada pelo Brigido)

O CCRR

É isto aí, Centro Cultural Recreativo de Resende, este é o nome. Eu o encontrei quando cheguei em Resende em 1944, e ele ainda existia em 1965/66 quando novamente servi em Resende, como professor em comissão da cadeira de Eletricidade. O Ivan faz referências a ele em uma de suas histórias.

O que o Ivan não sabe é que eu fui o seu descobridor, para ser mais preciso, eu e o Jardro. Por acaso, procurando o caminho das Índias, como dizem que o Pai Cabral encontrou o Brasil, valendo um sentido para mim e outro para ele.

Todos sabem que eu fui para Resende para, compulsoriamente, fazer curso de aperfeiçoamento de Geometria Descritiva.

Imagine, eu carioca, morando no Rio com a minha família, sem nunca haver me afastado da saia da mamãe, todo orgulhoso de ser cadete, com pleno sucesso entre as garotas, com os meus sábados e domingos livres para piconear, interno em Realengo, é verdade, mas me dando bem, aprovado no carro de fogo e ostentando o meu espadim, cheguei ao fim do ano com boas notas e, por um acontecimento truncado, que aqui não cabe contar, fui reprovado em Descritiva e mandado repetir o ano em Resende. Um lugar que, para mim, era muito distante, um fim de mundo. Mais que isto, outro mundo. E eu cheguei em Resende arrasado, derrotado, diferentemente dos novos cadetes, que chegaram vitoriosos, como o Ivan, pelo ingresso na Escola.

Éramos um pouco mais de uma centena de repetentes, mais ou menos cento e vinte, uma coisa assim. E fomos mandados para chegar antes que os novos cadetes chegassem. A viagem já foi uma odisséia, só havia o trem "Maria fumaça" e a serra estava interrompida pela queda de uma barreira. Tivemos que caminhar mais de trezentos metros, enfiando os pés na lama e carregando nas costas a mala pesada, para baldear de trem.

A Escola era muito bonita, um palácio de mármores, mas ainda inacabado, e era fria, triste, ainda vazia, muito escura à noite. Eu chorei muito sozinho.

Nos foi dado o trabalho de fazer os arremates para receber os novos colegas, montagens de camas, armários e arrumações diversas. Fiquei com as mãos calejadas de tanto atarraxar ganchos de ferro em cabides de madeira.

Porem, nos restava a cidade. A vista não era promissora, mas ainda era a última esperança. Veio a ordem, após o jantar os cadetes podem ir à cidade em uniforme interno, mas só até a ponte, aquela ponte de ferro sobre o Paraíba, com volta obrigatória para a revista do recolher.

Quase todos fomos logo conferir, e voltamos decepcionados. A cidade era feia e não tinha nada. Não compensava andar, ida e volta, a imensa reta até o portão para o passeio. Mas, era só a parte baixa, os Campos Elíseos, e ainda faltava conhecer a parte alta, a mais nobre da cidade, a nossa última esperança. Veio o primeiro fim de semana, e a permissão para atravessar a ponte, com túnica. Logo na tarde de sábado, eu saí com o Jardro.

Atravessamos a ponte e rodamos um pouco pela cidade, nada mais do que uma típica cidade do interior, com ruas e casas antigas e sem beleza. E, naturalmente, com a tradicional Praça Central, com o busto de um cidadão emérito, a Igreja Matriz, um coreto e um cinema. A praça Oliveira Botelho. No cinema uma luz acesa sobre a bilheteria e um alto-falante berrando músicas e convites para a seção. Ele alegrava a Praça, e o tango Uno era a vedete. Os rapazes em grupinhos pelas beiradas das calçadas e as moças desfilando sorridentes e sorri-sem-dentes em pequenos grupos, de braços dados, pista a mão esquerda e pista a mão direita, no centro da Praça. Achamos que ali começava o caminho das índias e ficamos olhando. Pensando como nós, outros cadetes já ali estavam, também, em grupinhos. E as moças, naturalmente, entusiasmadas com as novas presenças, que só incomodavam aos rapazes do local. Até que uma insistente campainha tocou no cinema anunciando o início da seção.

A praça esvaziou bastante e nós também fomos para o cinema. As cadeiras eram soltas, arruma pra cá, arruma pra lá e todos se ajeitaram, o cinema cheio de cadetes. Mas o cinema era muito ruim e o filme era péssimo, não deu para agüentar e eu e o Jardro saímos. A praça já estava quase vazia. Para onde foi essa turma? Perguntei a alguém. Bem, quem não foi para o cinema foi dançar no CCRR. O que é isso? É um clube, o melhor clube da cidade.

Pôxa, eu gostava de dançar, e sabia que a dança era o melhor de todos os caminhos para as índias. Vamos procurar esse clube. Em pouco tempo estávamos lá, e nos permitiram a entrada, a mim e ao Jardro, os dois pioneiros. Era preciso nos arrumar antes que chegassem os bichos. Não haveria mercadoria suficiente para mais de seiscentos cadetes. Assentamos, os dois, a uma mesa e ficamos observando.

Havia uma vitrola que chiava muito e tocava uma música atrás da outra. Pequenos grupos de rapazes bebiam cervejas e conversavam em algumas mesas, talvez uns vinte, e poucos dançavam.

As moças, em menor número, dançavam umas com as outras, mas não eram o que nós procurávamos. Nada mais podíamos fazer, o sábado parecia perdido, e nós mais ainda; havíamos chegado ao fim da picada. Lugar terrível, nem mulher tinha, o que fizeram comigo. Porem, de repente, acontece o milagre.

Entram duas moças bonitas no recinto e se assentam em uma mesa. Eu quase não acreditei, e disse para o Jardro, é agora ou nunca, não podemos perder tempo, temos que tirá-las para dançar, antes que algum aventureiro o faça.

Democraticamente, fizemos um sorteio que definiu a vítima de cada um. E nos pusemos em campo. Eu fiz o convite e saí dançando com a minha sorteada, o Jardro ficou conversando com a outra na mesa. Eu estranhei e perguntei a razão ao meu par. Então, ela me disse que a outra era sua irmã, que era noiva de um rapaz que não estava na cidade, e que não podia dançar com ninguém.

Depois de algumas voltas, voltei à mesa com o meu par, e assentamos os quatro juntos. Conversamos um pouco, o Jardro ficou chateado e acabou indo embora, eu continuei na dança e no papo. Tinha que explorar o meu êxito. No fim da festa, achei que tinha arrumado uma namorada. Aquela moça ia ser o bálsamo para o meu desterro.

Mas eu não tinha como namorar em Resende, não tinha tempo e nem como ultrapassar a ponte nos dias de semana. E a moça morava além ponte. Ficamos apenas fazendo par preferencial e constante nos fins de semana. Isto já me consolava, me satisfazia o ego e me distraía nas noites dançantes.

Vieram os bichos e eles superlotaram o CCRR. As moças ficaram valorizadíssimas. Nunca mais mulher dançou com mulher naquele salão. Era uma correria para conseguir uma dama. O disco ainda estava chiando e já não tinha mais moça para dançar. Os paisanos, em protesto, abandonaram o clube. E foram aparecendo as filhas dos oficiais. A verve dos cadetes foi arranjando um apelido para cada garota. Eu tinha o meu par garantido, quando aparecia, por antigüidade de relacionamento e por respeito dos bichos.

A minha pseudonamorada, e a sua irmã, pelo seu compromisso, se tornaram os pares dançantes mais difíceis. Ganharam os apelidos de Física e Descritiva, as duas matérias mais difíceis do 1º ano.

E eu passei todo o 1º ano repetindo Descritiva, dançando com a Física, e correndo para o Rio a cada licenciamento ou férias.

E o CCRR passou a ser de grande importância para mim e para os numerosos cadetes que o freqüentavam. Ao longo de todo o meu curso, se eu não vinha para o Rio ia para o CCRR, e ele foi melhorando, as moças se arrumando melhor e a freqüência aumentando.

Quando eu saí aspirante aquela moça que apelidaram de 1001, pela falhas da mobília, já era uma 1111, até atraente.

Alguns companheiros nossos namoraram no CCRR e foram até o casamento.

Durante a minha vida militar conheci oficiais casados com moças de Resende, graças ao papel social desempenhado pelo clube, cuja importância não pode ser negada.

Eu descobri o caminho das índias porque que fui um pioneiro, não o tivesse feito outro o teria, mas não me fiz cacique e voltei para a minha metrópole. Mas rendo a minha homenagem ao CCRR.

Ele desempenhou um papel social muito importante para os fundadores da Escola Militar de Resende, e acredito que também para os subseqüentes. É parte de nossas lembranças e de muitas gerações de cadetes. Ficou ligado à nossa história.

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História 48(Contada pelo Vieira Ferreira)

O DE BAIXO E O DE CIMA

Estávamos no campo contíguo ao Departamento de Equitação da Escola.

Nosso terceiro ano estava dividido em duas "escolas", trabalhando em círculo. Aquela em que eu estava, dirigida pelo João Figueiredo. A outra, bem afastada, dirigida pelo Berford.

De nossa "escola", que estava ao trote, disparou a galope o cavalo até então montado pelo Cibulares, metendo-se na "escola" do Berford e aí fazendo enorme confusão.

A isso, gritou bem alto o Figueiredo:

de baixo!"

...e, após pequena pausa:

- "Se sobrar alguma coisa do de cima, manda também!"

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